Viva a lógica do inglês

Gilberto Ramos, economista, foi Vice-Prefeito do Rio

Piada de fino humor inglês: dois amigos se encontram e um deles pergunta - você acha sua mulher bonita ? resposta - comparada a qual ?

Essa sensação de que a economia brasileira vai navegando em mar de almirante precisa ser analisada com os pés no chão. As notícias do apocalipse econômico argentino deixam-nos uma sensação equivocada de que o Brasil está a salvo de chuvas e trovoadas, e que os problemas de lá não respingarão aqui. Quando o Flamengo perde para qualquer outro time os vascaínos deitam e rolam de alegria. Inversamente a coisa se repete: lembram-se das torcidas FlaReal e FlaManchester. Os flamenguistas gozaram o que puderam os vice-campeonatos do Vasco. Teve até a FlaTimão torcendo para o Corinthians em pleno Maracanã. Mas em economia a rivalidade futebolística Brasil x Argentina não tem cabimento.

É bom lembrar que a Argentina compra 11% das exportações brasileiras. Queremos, como todo bom vendedor, que eles comprem muito mais. Isso facilita a geração de empregos, cria reservas financeiras importantes que, por sua vez, suaviza o sacrifício com o pagamento dos compromissos externos do Brasil.

Recentemente, a equipe econômica brasileira soltou foguetes com uma declaração do FMI felicitando o Brasil por estar cumprindo o programa do acordo assinado. Simples ôba-ôba ufanista. Malan e Armínio repetem à exaustão que os "fundamentos" da economia brasileira estão irretocáveis. Macacos me mordam: se tudo está uma maravilha, por que pedimos socorro ao FMI, para que o COPOM mantém os juros básicos brasileiro tão altos (19%) só inferiores aos da Colômbia na América Latina ? Isso sem falar na carga tributária recorde (34%); será para financiar o pagamento dos encargos da dívida externa ?

Pedindo desculpas pelo economês, quero enfatizar que a imagem do país depende muito do Passivo Externo Líquido (PEL). Ele representa o volume dos compromissos externos do país, basicamente o total da dívida externa acrescido do estoque acumulado de investimentos diretos estrangeiros, deduzidas as reservas cambiais e os depósitos brasileiros no exterior. Aí a coisa pega.

De 93 a 2000, o montante do PEL dobrou, mais pronunciadamente entre 95 e 97. Em 2000, pasmem, atingiu U$ 365 bi, representando 6,5 vezes o volume de nossas exportações de 2000. Em 93 o PEL era de US$ 178 bi. Detalhe: nos últimos dois anos, o PEL chegou a 60% do PIB. Perigo à vista.

Temos uma longa caminhada de austeridade pela frente e, certamente, em ano eleitoral essa missão é ainda mais ingrata. Temo por um afrouxamento das rédeas da economia por conveniências eleitorais. Isso já aconteceu em meados de 98, basta verificar o crescimento da dívida pública naquele período. Custo da reeleição ? A resposta é tão óbvia que até o Silvio Santos ficaria constrangido de perguntar ao Garotinho no Show do Milhão.

Seja como for a Argentina vai ter cair na real - literalmente e sem trocadilho. Esse papo de paridade cambial nunca funcionou pois é impossível, simultaneamente, fixar o valor de compra de duas moedas representativas de economias com diferentes graus de produtividade. Claro, desconsiderando a demagogia política, contra a qual não há lógica que resista. O inglês tinha razão em querer comparar as duas mulheres. Onde se lê mulher, leia-se moeda.