Ano após ano, é o
mesmo Mané Luiz, como se dizia no sertão no meu tempo de meninice: o governo dá
uma de João sem braço e empurra com a barriga a correção da tabela da relação
entre renda do contribuinte e alíquota alegando que, se ela for feita, haverá um
déficit no caixa. Não existiria, portanto, a rigor, novidade nenhuma em mais
essa tunga promovida pela Receita Federal contra o bolso furado do brasileiro.
Pois o Leão do Fisco é o único animal no reino da natureza que quanto mais come
mais fome sente e quanto mais morde mais voraz fica, ao contrário dos outros
que, saciados, relaxam e dormem, felizes e bonachões. A inovação incorporada
pela burocracia petista a essa ocorrência sazonal é que ela trouxe um argumento
totalmente inusitado à baila: o de que a correção significa uma reindexação da
economia, como se a justiça fiscal fosse inflacionária. Trata-se evidentemente
de uma falácia cruel. Pois a falta de correção da tabela é moralmente
indefensável e socialmente iníqua. Ocorre que, sem ela, muitos contribuintes
pobres, antes isentos, passam a ser pagantes. E os pagantes têm suas alíquotas
aumentadas sem o correspondente aumento da renda. É por isso que a arrecadação
de impostos sempre aumenta e a renda do trabalhador continua caindo. Dessa
forma, a classe média paga a conta toda e, embora todos sejam convocados a
colaborar para o Leão voraz, os menos favorecidos são os que mais arcam com o
ônus da derrama. O Fisco da gestão do Partido dos Trabalhadores é um Robin Hood
pelo avesso: ele toma dos pobres para não dar aos ricos. Pois o produto do saque
vai para os cofres da viúva, que é muito avara com os que trabalham e generosa
demais com a companheirada que toma de assalto as boquinhas na máquina pública.
A ordem é escorchar o estranho para saciar o apetite do amigo.
Outra novidade terrível é que antigamente os secretários da Receita calavam ou tergiversavam sobre o assunto. A turma que está no poder agora é arrogante e brutal. Ao justificar mais esse adiamento da correção para as calendas, o secretário-adjunto da Receita Federal, Ricardo Pinheiro, execrou a "paranóia das viúvas da indexação, que querem atualização todo ano" e também o "egoísmo de uma meia dúzia que quer um proveito pífio individual". No Brasil sob a égide do PT e de Lula, os cidadãos que reclamam seus direitos são rotulados de "privilegiados egoístas". Então, fica combinado: quem paga os impostos em dia e quer receber de volta o que lhe foi tomado de forma indevida é o vilão e mocinho é o político ou burocrata que o furta ou gasta mal.
Justiça seja feita ao truculento burocrata: apesar de significativa para o caixa do governo, o que a correção propicia ao contribuinte não é irrelevante, mas também não justifica muito estresse. Quantificar o resultado individual da correção como "proveito pífio" é exato contabilmente e também a melhor explicação para essa evidente tunga não motivar nenhuma entidade de classe nem mobilizar nenhum pai da pátria a brigar pelo exercício do direito que cada cidadão tem de receber de volta qualquer quantia que lhe foi subtraída além da que devia, não importando se grande, pequena, representativa ou pífia. Ricardo Pinheiro não sabe, mas, como a gravidez, ela não comporta graus: tunga é tunga, direito é direito, assim como mãe é mãe e vaca é vaca!
Só que, mesmo sendo "pífios" os resultados, quando considerados em cada ano isoladamente, eles configuram uma artimanha tributária que termina tendo um impacto muito forte sobre as finanças de uma parcela expressiva dos contribuintes, pois não corrigir é sinônimo de cobrar mais. Estes se concentram, fundamentalmente, na classe média, que, conforme demonstrou reportagem recente publicada no jornal O Estado de S. Paulo, paga cada vez mais impostos e gasta cada vez mais para obter serviços que o Estado tinha obrigação de oferecer como contrapartida aos impostos que cobra. Embora esteja espremida e oprimida, a classe média responde por cerca de 60% da arrecadação total do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF). E esta não é uma parcela pífia.
A classe média, que Ricardo Pinheiro insulta, é também a principal pagadora de outros tributos e pode ser considerada responsável por boa parte dos recordes de arrecadação tributária que a Receita Federal tem comemorado mês após mês. Como o total arrecadado pelo Fisco federal em outubro, de R$ 36 bilhões, foi o mais alto deste ano e o segundo melhor resultado mensal de todos os tempos, é o caso de concluir que, além de rugir mesmo quando está saciado, o Leão da Receita Federal morde de forma mais feroz a mão de quem o alimenta. Sem contar o fato de que este órgão arrecadador costuma atrasar a restituição do Imposto de Renda recolhido a mais, alegando dúvidas, erros ou suspeitas inexistentes.