Que tal olharmos no espelho?

Gilberto Ramos - economista

A discussão sobre a eleição americana é mais um devaneio da mídia brasileira cada vez mais carente de substância. Aqui na terra do Jeca Tatú as únicas notícias que ocupam o noticiário são os crimes de sangue ou do colarinho branco. Pior, enquanto o governo continua parado só cobrando impostos, pagando juros e aumentando a concentração renda, os temas oficiais se resumem às fofocas partidárias e desavenças internas entre ministros. Aliás, a nomeação do Vice José Alencar é a ante-sala de uma crise amplificada, não fosse ele o Vice-Presidente. A gestação deste desgaste começa na infeliz idéia da criação do Min. da Defesa quando já tínhamos o EMFA para as mesmas tarefas. Mas faço parágrafo para voltar ao EUA. Em 1996, um grave atentado terrorista de motivação religiosa em prédio federal matou quase 200 pessoas em Oklahoma, na maioria mães, crianças e funcionários que cuidavam da área social do governo. Logo depois, uma lancha torpedeira kamikaze atacou um cruzador fundeado no Iemen do Sul matando vários marinheiros americanos. O presidente americano era Mr. Clinton. Os americanos não reagiram e, talvez até mesmo por isto, os terroristas exageraram na dose seguinte e veio o atentado das Torres Gêmeas. Nosso Brasil varonil não tem tornados, vulcões e maremotos, também não tem um só soldado no Iraque e jamais sofreu um atentado terrorista. Que bom. Aliás, o crime de terrorismo nem existe no nosso Código Penal. Mesmo assim, o que tem aparecido de cientista político - uma categoria profissional em franca expansão - deitando falação sobre o tema é uma grandeza. Já nos esquecemos de que o Emb. Sergio Vieira de Mello morreu advogando a paz, e que a ONU lá estava para ajudar os próprios iraquianos? Os jornalistas que comparecem às entrevistas coletivas nos EUA são escolhidos a dedo por seus respectivos jornais e fazem perguntas curtas e diretas, colocando os candidatos contra a parede. Kerry recebeu dois petardos que não conseguiu matar no peito: a) o Sr. é contra ou a favor do aborto ? b) O Sr. soltaria os prisioneiros em Guantanamo acusados de terrorismo? No primeiro caso, Kerry disse que era a favor e machucou o eleitorado católico; no segundo, respondeu que não soltaria e ainda caçaria os demais que estivessem em liberdade. Os pacifistas ficaram desapontados. Do outro lado Bush repetia que Kerry era hesitante e contraditório mostrando seus discursos e votos no Senado americano. Na política americana a coerência é uma virtude indispensável. Ao contrário daqui onde a mudança de partido e as alianças oportunistas dão um toque leviano na nossa cultura política e se justificam somente como tática para alcançar o poder pelo poder. Se pusermos na balança o passado de colaboração de democratas e republicanos com o Brasil, os republicanos dão olé. Na visão global da eleição americana a tese de Bush está correta: a democracia é o melhor remédio para a violência secular no Oriente Médio. Basta dizer que, desde Adão e Eva, a história universal não registra uma só guerra entre duas democracias. Todos os conflitos envolveram pelo menos uma tirania. A paz no Iraque passa pela democratização do país. Para o mundo, a eleição iraquiana prevista para janeiro é mais importante do que a própria eleição americana.