Por falar em fome zero...

Gilberto Ramos - Economista e empresário

De 93 a 97 fui Vice-Prefeito e Secretário de Administração do Rio e, antes que me queiram mal, aviso que só recebia por um dos cargos. Até então minhas relações com o governo eram as tradicionais: pagar impostos, requerer alguma certidão, aguardar o carimbo salvador do pequeno burocrata de mau humor, o que significava que o processo tinha "andado", melhor dizendo, mudado de mesa. Minha via crucis era a de qualquer empresário: de joelhos esperando a concessão de alguma licença e/ou alvará, e rezando insone para não ser multado por alguma transgressão involuntária. A experiência como funcionário público novato foi uma surrealista viagem ao mundo dos absurdos administrativos.

No primeiro dia, ao abrir a porta de casa, já lá estava, sem que pedisse, um chapa branca com motorista e ajudante de ordens para segurar a porta do carro, carregar a pasta e o celular. Na Prefeitura, avisado pelo celular, o ascensorista me aguardava com o elevador parado. Fomos direto ao 10. Assim ele havia sido instruído pois poderia aparecer um desses cidadãos incômodos perguntando se o processo dele já tinha sido "despachado" ou pedindo algum pistolão indecoroso. Não era conveniente expor o Secretário ao desconfortável contato com o povão contribuinte. O gabinete, amplo e bem decorado, tinha até telefone vermelho especial. Assessoras, secretárias e telefonistas em profusão. Havia inclusive um picotador de papéis embaixo da mesa para o secretário eliminar algum documento comprometedor. Mas a surpresa maior viria em seguida.

Como detentor de duas funções, tinha direito a dois gabinetes. Imaginei-me onipresente. Fui visitar o de Vice-Prefeito. Ficava no prédio da frente, no mesmo corredor e no extremo oposto ao do Prefeito. Abri a porta e fiquei impressionado: mesas limpas e umas 10 funcionárias me aguardando. Aliás, algumas escolhidas com muito bom gosto. Descobri que outras 10 também eram lotadas lá e, pasmem, só trabalhavam dia sim dia não. Perguntei o que elas faziam e a resposta foi taxativa: nada. O Vice-Prefeito anterior estava brigado com o Prefeito e não aparecia. E quando o alcaide viajava, o Vice também viajava para não ter que assumir e ficar inabilitado para a eleição seguinte. Vice é o melhor dos mundos: trabalha quase nada, não sofre críticas e ainda pode freqüentar todos os saraus com timbre oficial, fora umas viagenzinhas deliciosas.

Dou um doce para quem contar até três e disser o nome do atual Vice-Prefeito do Rio. Embora sendo um homem de bem, sua função é totalmente dispensável. Neste mundo da internet a eventual ausência do titular (Presidente, Governador ou Prefeito) pode ser suprida por ministro ou secretário indicado por decreto. Durante o governo Conde o vice renunciou preferindo ser deputado estadual e a cidade não parou. Você percebeu que ficamos sem vice durante dois anos ?

O governo Lula cortou R$ 14 bi do orçamento e foi um Deus nos acuda. Pois saibam que podemos cortar muito, muito mais gastos públicos. É impressionante a quantidade de repartições inúteis sobrepostas. Alguém consegue explicar por que coexistem Riotur e Secretaria Mun. de Turismo ? E a Turisrio, agência estadual de turismo que só serve para vender passagens para o próprio governo estadual ? O bolso dos contribuintes seria poupado se não fôssemos sacrificados pela incúria administrativa que teima em manter o estado paquidérmico para alegria de parentes e mariposas eleitorais.

Como estamos vivendo a histeria das reformas constitucionais, por que não pensam em eliminar os Vices de todos os níveis ? Segundo levantamentos da SAD e do Ibam, o salário médio de Vice-Prefeito é de R$ 3.500,00/mês, fora os penduricalhos e mordomias. Imaginemos, por baixo, R$ 5.000,00/mês. Ah, ia me esquecendo, sem contar décimo-terceiro e férias, porque ninguém é de ferro e não aguenta 12 meses de ócio. Como temos quase 6.000 municípios, façam a continha.

Se estão preocupados de verdade em garantir recursos para o Fome Zero, incluam a eliminação dos Vices. Só aí arranjaremos mais R$ 390 milhões anuais e poderíamos deslocar um montão de "aspones" para outras funções. Enquanto não enxugarmos o setor público, o Brasil continuará andando de lado, cobrando impostos extorsivos e praticando juros asfixiantes. Quanto aos serviços públicos ... bem, deixa isso pra lá.