A esquerda, como as amebas -- com as quais também se assemelha pelo quociente
de inteligência e por só poder prosperar em ambiente fecal --, multiplica-se por
cissiparidade. Cada nova leva de esquerdistas separa-se de seus antecessores,
chamando-os de direitistas e obtendo assim autorização para cometer sob novos
pretextos os mesmos crimes que eles cometeram. Esse velho truque -- tão velho
que já nem sei se é truque ou é vício -- tem ainda a vantagem de destituir de
sua identidade a direita genuína e empurrar o eixo da disputa política cada vez
mais para a esquerda.
Os primeiros a ser usados nesse engodo foram os girondinos, na Revolução
Francesa. Desde então, a coisa não parou mais. Só no Brasil ainda há cérebros
suficientemente letárgicos para não perceber o quanto ela é previsível.
Se o leitor tiver a bondade de consultar dois artigos meus, de 27 de maio de
2000 e 11 de março de 2004 ( www.olavodecarvalho.org/semana /paulada.htm e
www.olavodecarvalho.org/semana /040311jt.htm ), notará que aí foram anunciados
de antemão, sem a menor dificuldade, os dois desenvolvimentos mais recentes do
esquerdismo local: a redução do cenário eleitoral a uma concorrência entre
petistas e tucanos e, uma vez vitorioso o PT, a subseqüente ascensão de
setores radicais que condenavam o partido governante como vendido e
“neoliberal”.
Na retórica usada para legitimar as mudanças, o termo “esquerda”, tal como
invariavelmente acontece nessas metamorfoses verbais, não aparecia como conceito
objetivo, mas como rótulo publicitário com significado móvel. A esquerda
define-se a si própria como lhe convém em cada etapa, redesenhando os inimigos
reais e imaginários conforme a impressão que deseja transmitir à platéia. A
mente esquerdista é toda constituída de automatismos cênicos sufocantemente
repetitivos. No Brasil, porém, o exercício habitual desses cacoetes ainda é
eficaz o bastante para ludibriar o eleitorado de novo e de novo, chegando até a
ser aceito como “ciência política”, dada a absoluta incapacidade nacional de
distinguir entre ciência e propaganda. O sr. Luiz Werneck Vianna, por aparecer
dizendo que o PT e o PSDB são “as torres gêmeas da ordem burguesa”, é celebrado
pela Folha de S. Paulo como grande intelectual e quase um profeta. Esse primor
de tirocínio amebiano jamais seria mencionado aqui se o referido não
aproveitasse a ocasião de tão elevados pensamentos para criar uma teoria a
respeito deste colunista. A teoria é a seguinte: não representando os interesses
de uma classe em particular, não sou propriamente um intelectual, mas um puro
“produto da mídia”. Intelectual, para esse protozoário gramsciano, é só o
sujeito que recebe dinheiro dos bancos para forçar a alta dos juros, ou do MST
para cavar novas doses de subsídios estatais. Não vou discutir o argumento, por
duas razões. Primeira: nada do que eu alegasse contra ele poderia lhe fazer
tanto mal tanto quanto o seu próprio enunciado. Segunda: repetidamente acusado
de bater em menores de idade após cada confronto que tive com intelectuais de
esquerda, renunciei para sempre a essa prática impiedosa