Os desafios de 2002

Gilberto Ramos - economista, foi Vice-Prefeito do Rio

A paz no mundo, mas especialmente no Brasil, só será alcançada quando, a um só tempo, eliminarmos a pobreza sub-humana e a riqueza desumana. – Dom Helder Câmara

2001 já é passado. O ano novo está tocando a campainha. Tomara que chegue com boas notícias para enfrentarmos esta intolerável iniqüidade sócio-econômica que ainda prevalece no Brasil. Nosso desenvolvimento humano ainda é muito questionável. A esperança de vida ao nascer dos brasileiros é de 66 anos, pior só a Bolívia com 59. A Bolívia continua sendo nosso consolo em analfabetismo (nós 19%, eles 23% da população total). Segunda a UNICEF, somente 41% das crianças brasileiras chegam a cursar cinco séries do 1º grau. As atividades ilegais proliferam, cresce a criminalidade e já estamos gastando perto de 10% do PIB em segurança individual. Esse dinheiro está fazendo falta em setores produtivos e de alcance social. A economia informal prospera, aumenta o subemprego e diminui a quantidade de trabalhadores com carteira assinada.

Esse quadro desolador das enchentes no Estado do Rio tem, na base, a falta de saneamento e a favelização descontrolada. Cerca de 30% da população não tem acesso à água tratada e mais da metade das casas não tem sequer uma fossa séptica; 30% dos domicílios não têm coleta de lixo e 75% do lixo recolhido são despejados a céu aberto. A destruição da cobertura vegetal dos morros, substituída pelo barraco precário e sem fundações, é fatal para aquelas famílias desvalidas que moram tão precariamente. Detalhe: o FGTS, instituído para proteger os trabalhadores e financiar a infra-estrutura, foi vítima da rapinagem oficial - dos R$ 150 bi que deveriam estar acumulados, só restam R$ 50 bi. Quem ficou com a diferença ?

Iniqüidade e concentração de renda são irmãs gêmeas. E uma das razões desta iniqüidade é o financiamento das aposentadorias do setor público. Uma aposentadoria de R$ 3.000,00 precisaria de uma capitalização de R$ 587.000,00. Sabendo que não são raras as aposentadorias maiores do que este valor, é fácil imaginar que este financiamento está sendo suportado pelos impostos que todos nós somos forçados a pagar quando consumimos produtos essenciais (remédios, roupas e comida). Aí está uma das razões da cruel distribuição de renda vigente no Brasil. Ou resolvemos essa questão da previdência social do setor público, ou vamos continuar este massacre dos aposentados do setor privado.

Solução: reforma corajosa da previdência social, reforma tributária, reforma do sistema judiciário para evitar a impunidade e muito, mas muito mesmo, investimento em educação. A fórmula é simples. Mas será que temos estadistas dispostos a mostrar esta face impopular das políticas públicas ? Quererão sacrificar votos em troca da verdade ?