Menos petróleo e mais álcool

por Gilberto Caruso Ramos, economista, foi Vice-Prefeito do Rio

João Neves da Fontoura foi um grande senador gaúcho na década de 30, além de ótimo orador. Aliás, há alguns anos, a Academia Brasileira de Letras fez uma enquête interna e indicou os cinco maiores oradores deste século. Foram escolhidos, além do notável Pedro Calmon em 1º lugar, mais Rui Barbosa, Carlos Lacerda, João Neves e, salvo engano, Otávio Mangabeira. E foi de João Neves a autoria da fina ironia - "no Brasil existem dois tipos de oradores: uns pedem a palavra para dizer alguma coisa, outros, mais raros, pedem a palavra porque tem alguma coisa a dizer".

Pois um desses deputados do primeiro grupo, pediu a palavra, estufou o peito, impostou a voz e mandou brasa: "com a transferência da capital para Brasília, é inadmissível que a sede do Proalcool continue no Rio". Os assessores do nobre deputado - certamente muitos - esqueceram de avisá-lo que o Proalcool é apenas um programa e, portanto, como não se trata de mais uma destas nefastas estatais, não tem sede. O Proalcool é um programa de sucesso, brasileiríssimo, e do qual deveríamos nos orgulhar.

Plataforma Porém, estamos maltratando este programa que poderia ser a tábua de salvação da nossa balança comercial. Mas só se lembram dele quando o petróleo e/ou o dólar sobem de preço. O Brasil gasta uma fortuna importando petróleo para transformar nos derivados de que precisamos e da qual a Petrobrás (com S mesmo), e não obstante seu esforço, ainda não nos livrou da dependência. Façam comigo esta continha: antes da desvalorização do real - janeiro/99 - o preço do barril estava em U$ 10,00, equivalentes a R$ 12,00. Com a desvalorização da moeda brasileira, e com o mesmo preço/barril, o custo passou a R$ 20,00 e, finalmente, com a elevação pela OPEP para U$ 30,00/barril, estamos pagando R$ 54,00/barril, ou seja, 300% de aumento.

O mais inacreditável é que países que não produzem cana de açúcar estão investindo no aumento do consumo substitutivo do álcool carburante. Os EUA estão misturando, crescentemente, álcool hidratado na gasolina e, pasmem, já existem na Suécia caminhões e ônibus com motores diesel inteiramente movidos a álcool. Inclusive das marcas Volvo e Scania que trafegam por aqui. Pois fiquem sabendo que a tecnologia para uso de álcool em motores de alta potência e baixa rotação já está disponível no ITA (Inst. de Tecnológico da Aeronáutica) em S. José dos Campos.

Para produzirmos um barril de diesel, precisamos de três barris de petróleo. Os outros dois terços se transformam em óleo combustível, gasolina, querosene, asfalto, óleos lubrificantes e derivados petroquímicos. Portanto, como conseqüência da obrigatoriedade de usarmos diesel, principalmente na agricultura que consome 20% do diesel produzido, somos forçados a gastar cada vez mais gasolina ao invés de álcool. Por conta desta distorção em nossa matriz energética o Brasil vai gastar este ano, aproximadamente, U$ 4 bi, isso se o preço se acomodar em patamar de aproximadamente U$ 25,00/barril. E tomara que árabes e judeus se entendam lá por aquelas bandas orientais.

Além de todas e incontestáveis vantagens econômicas não podemos esquecer a questão agrária. Se o Brasilcana da açucar quiser enfrentar o êxodo rural, aí está uma ótima alternativa. Com a substituição pelo álcool de apenas a metade do nosso consumo de diesel, poderíamos criar 800 mil empregos no campo. E está mais do que em tempo de abrirmos o olho com a possibilidade dos EUA se socorrerem da produção cubana, inclusive financiando o reaparelhamento das usinas e destilarias que foram sucatadas durante a ditadura fidelista. Ou alguém duvida que americanos e cubanos estão doidos para se abraçarem ?

Estou convencido que esse desprezo pelo Proalcool só pode ser uma patologia, quem sabe uma espécie de masoquismo misturado com insensatez econômica. Ou será que além do serviço da dívida com que financiamos a "banca" internacional, ainda queremos dar uma mãozinha para os negociadores internacionais de petróleo ? Confesso que ao invés de gritar ufanistamente "O PETRÓLEO É NOSSO", eu preferiria dizer " O ÁLCOOL É NOSSO".

Nesse momento em que a histeria ambiental toma conta das discussões da agenda 21, é bom lembrar que o álcool não polui e se constitui na mais poderosa fonte de energia renovável. Aliás, estou convencido que esta simpatia que temos pelo petróleo é um pouco cultural também. Acho que parte do nosso horror à energia atômica é porque ela nos foi anunciada pela bomba de Hiroshima. Fico imaginando se o anúncio da descoberta do petróleo tivesse sido pela bomba de napalm, quem sabe hoje nossos ecologistas não estariam prestigiando mais o Proalcool tão brasileirinho ? Menos petróleo e mais álcool