O fim do appartheid pedagógico

Gilberto Caruso Ramos - economista e empresário

O edifício Pirelli, sede da Região da Lombardia (o maior prèdio em concreto armado do mundo)O Conselho Empresarial de Segurança Pública da ACRJ, tão bem comandado pelo Juiz Francisco Horta, tem promovido palestras imperdíveis. Na semana passada lá esteve Dom José Carlos de Lima Vaz, Bispo Diocesano de Petrópolis, que abordou o tema da "Violência e ética cristã". Dissertação de fantástica profundidade. Dom Vaz é um bispo de rara simpatia e cheiro de povão. Botafoguense de carteira e chaveirinho, dizem que nos domingos de jogo do Botafogo, ele celebra a missa vestindo a batina por cima da camisa alvinegra. Poliglota e com sólida cultura, nem por isso abusa de sua erudição com citações maçantes. Faço parágrafo para mudar de rumo.

A badalação da semana foi o vestibular prestado por um analfabeto que se classificou em 9º lugar para o curso de Direito da Estácio de Sá. Esse é um bom retrato da educação calamitosa que impera no Brasil há tantos anos. A verdade é que o diploma continua exercendo um insuperável fascínio, servindo para classificar o nível sócio-econômico de cada um. Já notaram como os cartões de visita não se limitam aos dados pessoais ?

Os problemas da universidade são conseqüência do desmantelamento do ensino básico. Educação eficiente pressupõe utilização racional dos recursos disponíveis. Chega de pedagogês. Essa guerra começa lá atrás: o epicentro das deficiências está na pré-escola. Parodiando o mote popular: aluno que começa torto, não tem jeito, termina torto. Quando termina.

Tenho pregado à exaustão a implantação do sistema de cooperativa dentro do ensino público. A Unicef dá a este programa um nome sofisticado: micro gestão privada do ensino público. Não me surpreendi com a resistência corporativa do magistério estatal à esta alternativa, afinal isonomia e estabilidade são palavras mágicas e sedutoras para quem tem medo da concorrência. Parágrafo e meia volta.

Entre as várias formas de violência apontadas por Dom José Vaz, uma mereceu ênfase especial: a impossibilidade das famílias escolherem a melhor escola para seus filhos. As crianças pobres só podem estudar na escola estatal. Essa impossibilidade de freqüentar a escola de gestão privada é que está garantindo a universidade melhor, estatal e supostamente gratuita para alguns poucos privilegiados. Não adianta apelar para políticas compensatórias garantindo cotas para tais e quais segmentos sociais.

O programa que pode revolucionar essa discriminação pedagógica é o cheque-educação, muito mais abrangente, democrático e igualitário que a bem intencionada bolsa-escola. O grande barato do cheque-educação é transformar todas as escolas (privadas ou estatais) em escolas públicas e, sobretudo, despertar em cada família a sensação de que, podendo pagar e escolher, transformou-se em consumidor de serviços. Ovo de Colombo: ao invés de pagarmos professores para ensinarem, pagaríamos alunos para aprenderem. Uma simples inversão do vetor financeiro. Os prédios continuariam dos mesmos proprietários, os professores e servidores das escolas estatais permaneceriam com seus direitos garantidos, mas tentando atrair mais alunos em função da competência demonstrada. Quem ganha é o alunado.

Essa inovação, que substitui a velha e arcaica modelagem do estado assistencialista tipo "pai de todos", vem sendo usada, com muito exito, nas comunidades pobres do Harlen, e acaba de ser implantada na região da Lombardia na Itália. Como se vê, a "direita" de Berlusconi teve sensibilidade social e saiu na frente.