"Nós, um grupo de escritores formado por representantes de todas as
tendências político-sociais existentes na Russia, comunistas inclusive,
compelidos pelas nossas consciências, achamos que deveríamos escrever esta
carta aos colegas escritores estrangeiros (...).
- Tudo que vocês ouvirão e presenciarão no Congresso será, tão somente, o
que lhes for permitido ver e ouvir pelo aparato comunista. Pode ser que alguns
de nós que participamos da elaboração desta carta, conversando pessoalmente
com qualquer de vocês, usemos uma versão diferente. Reconhecemos que, vivendo
em condições completamente diferentes das nossas, deve ser difícil entenderem
que, depois de 17 anos nossa situação exclui, de forma absoluta, a
possibilidade de livre expressão.
- Nós, escritores russos, nos sentimos como prostitutas de bordel, porém, com
uma só diferença: enquanto aquelas negociam o próprio corpo, nós negociamos
nossas almas e opiniões. Enquanto elas estão condenadas à morte pela fome,
assim será igualmente para nós (...)
Aliás, nossas famílias e amigos também estão sofrendo com nossas atitudes
pois, até com eles, evitamos falar de nossas decepções. Na URSS existe um
sistema cruel de delação em que nos obrigam a acusar uns aos outros. E o
fazemos contra amigos, conhecidos e até parentes.
-
Enquanto isso vocês constituem comitês para enfrentamento do fascismo,
organizam congressos contra a guerra, criam bibliotecas para resgatar os livros
queimados por Hitler. Embora tudo louvável, não vemos suas ações para salvar
as vítimas inocentes dos atos tirânicos stalinistas que ferem e ofendem os
sentimentos da moderna humanidade, especialmente os praticados após o fim da
Guerra Mundial (1919). Será que vocês não estão percebendo que a URSS é um
grande campo militar, pronto para incendiar a Europa Ocidental e impor, pela
lâmina da baioneta, as teses de Marx, Engels, Lenin e Stalin ? Saibam que o
fato da Russia estar na miséria e com fome não se constituirá em vantagem
para vocês.
- Vocês estão assustados com o nazismo, mas nós não temos medo de Hitler.
Para Stalin trata-se, simplesmente, de preconceito burguês. Ele sim, Stalin, é
que é o perigo. Vocês sabem que jogo está sendo jogado ? Ou admitem
sobreviver, como nós, pela prostituição do sentimento, da opinião e do senso
de dever ? Então, nesse caso, não os perdoaremos (...)".
(Tradução, do texto italiano, de Edoardo Pacelli, revisão de Gilberto Ramos).