E viva o interior 

Gilberto Ramos - economista, foi Vice-Prefeito do Rio

CampoNinguém imagina o valor da paz a não ser que esteja vivendo essa guerra urbana que se apossou da cidade do Rio de Janeiro. Fui a São Fidélis para proferir uma palestra para os alunos do 2º grau do Colégio Estadual. Fiquei impressionado com a qualidade do colégio, suas instalações, professores entusiasmados e alunos interessadíssimos. E olha que o tema da palestra "não era brinquedo não": globalização. É o maior barato verificar que a qualidade vida ainda subsiste no interior. Essa sensação de liberdade que as cidades menores proporcionam não tem preço que pague.

Sou um cara totalmente urbano se imaginar que, nascido e criado na Tijuca, meu tempo está relacionado com o lazer esportivo e/ou cultural. Acontece que o prazer de desfrutar estas delícias urbanas foi extirpada pela violência brutal que se instalou nos grandes centros do país. A sensação que sempre se renova quando visito uma cidade menor é a de que as pessoas têm tempo para as outras pessoas. São os vizinhos que se conhecem quase que na intimidade, é o namorico dos jovens que cresceram juntos freqüentando os mesmos colégios e as mesmas festas, é a mãe que passa com o filho pequeno na garupa da bicicleta - isto em pleno centro da cidade -, é a professora que é olhada com respeito e gratidão pelas famílias de seus alunos.

Um das coisas mais gostosas é não ouvir sirenas de ambulâncias passando e abrindo caminho no peito entre os carros parados nos engarrafamentos constantes. Todo mundo se espremendo no meio-fio e logo atrás da ambulância lá vai um motorista mal educado pegando carona. Isso sem falar na patrulhinhas da polícia que passam ziguezagueando com o policial exibindo sua metralhadora pela janela. À noite é um salve-se quem puder. Até os motéis estão sentindo a mudança de hábito da clientela. Fazer amor à noite só em casa com a "patroa" e olhe lá. Até o trottoir está começando mais cedo. É bem verdade que os horários da Copa do Mundo estão mexendo com o relógio do libido.

Mas, falando sério, é preciso que as cidades menores se precavenham contra a peste da urbanização desenfreada. Nova Friburgo é um caso típico. O trânsito já está dando sinais de saturação. Pudera, licenciaram prédios altos pouco afastados entre si favorecendo o adensamento caótico, agravado pela falta de estacionamentos. Imaginem que em 1982 havia 32.000 automóveis cadastrados em Friburgo; hoje são 90.000 e as ruas são as mesmas. Aquele charme de não se ouvir apitos de guardas de trânsito ou sequer sinais para atrasar a vida, já está com os dias contados. Uma coisa é certa: a qualidade de vida está por um triz em todas as cidades cujos governantes não enxerguem, pelo menos, 20 anos à frente.