Conhecido
lingüista brasileiro encontrava-se em seu gabinete, dedicado a certas práticas
libidinosas com a secretária, quando a esposa, que silenciosamente abrira a
porta, exclamou: "Fulano! Estou surpreendida!" O mestre do idioma, sem perder a
compostura, imediatamente corrigiu: "Não, querida, tu estás surpresa. Eu é que
fui surpreendido".
Lula também confunde os vocábulos e a todo momento se declara surpreso, traído, inadvertido, com fatos que ocorrem no círculo mais próximo de suas relações internas e externas. Não obstante, do subterrâneo ao telhado do espaço interno, tudo foi construído em seu benefício. E, no espaço externo, tudo é resultado das diretrizes do Foro de São Paulo, que ele organizou, presidiu e considera como a "consolidação daquilo que começamos em 1990, quando éramos poucos, desacreditados e falávamos muito" (pronunciamento feito no 15º Aniversário do FSP, em 02/07/2005). No caso de Evo Morales, todos sabiam que a expropriação era bandeira do líder do Movimento ao Socialismo, o MAS boliviano. E sequer a contradição entre isso e os interesses nacionais impediram que nosso Chefe de Estado se imiscuísse nas eleições daquele país nem tornasse menos explícito ou condicionado o seu apoio. O governo brasileiro tinha candidato na Bolívia, cujo atual mandatário chama Lula de "irmão mais velho". Pelo elenco de elogios com que nosso presidente envolve seu maninho cocaleiro não tenho dúvidas sobre quem seja o Abel dessa tragédia. Não, Lula não está surpreso. Lula foi surpreendido com a boca na botija de suas referências, práticas políticas, ideologias e relações pessoais.
Marco Aurélio Garcia, por exemplo, encerra um artigo intitulado "O Manifesto e a refundação do comunismo", publicado no nº. 36 de "Teoria e Debate", um ano antes da eleição de Lula, com as seguintes palavras: "Um novo pensamento crítico não negará o passado, aprenderá com seus erros, mas sobretudo saberá resgatar nas experiências das revoluções desses últimos séculos as esperanças, a generosidade e o brilho que iluminou mesmo as noites mais escuras. Se o novo horizonte buscado ainda se chama comunismo, está na hora de sua refundação". Pois é esse refundador que conduz, em nome de Lula, a política externa brasileira a uma seqüência de erros crassos.
A soma desses erros acabou por transformar, como tenho dito, a cobiçada poltrona no Conselho de Segurança da ONU num banquinho junto à sala de espera. Não, não erramos apenas agora, ao desautorizar o presidente da Petrobrás e ao ceder nosso interesse estratégico em favor da Bolívia. Nosso governo errou ao admitir a China, verdadeira senzala, como um país de economia de mercado. A escravidão laboral daquele país e sua ação predatória na economia mundial já produzem conseqüências terríveis ao Brasil. Errou ao ajudar a bloquear resoluções da Comissão de Direitos Humanos da ONU contra a China, a Rússia e Cuba. Errou ao fixar o conceito geopolítico de nossa diplomacia e a ação externa de Lula nos mesmos patamares populistas e demagógicos que o levaram a vencer a eleição nacional. Errou ao promover a lamentável Cúpula América do Sul – Países Árabes, convertida numa tribuna anti-americana e anti-israelense, na qual o conceito de democracia foi submetido aos piores tratos e o terrorismo lidado com luvas de pelica. Definitivamente, Lula e o PT escolhem a dedo seus parceiros, dentro e fora do país.