O
colunista Olavo de Carvalho foi retirado do jornal O Globo, alegadamente por
"corte de despesas". Ora, é no mínimo estranho que isso tenha ocorrido justo
agora, quando a credibilidade da mídia é posta em cheque junto com a
credibilidade da cúpula do governo federal brasileiro. Todos os que assistiram
aos últimos depoimentos de Roberto Jefferson ouviram-no relatar a frase de José
Dirceu, já famosa: "No Globo eu falo por cima. Dá para segurar." Considerando
que as investigações da CPI parecem mesmo caminhar para uma confirmação do que
Jefferson vem narrando, não creio ser prudente ignorar suas indicações sobre o
jornal, que está entre os mais lidos do país.
Consideremos, portanto, que Jefferson tem razão, e que "segurar o jornal" – incluamos na hipótese apenas O Globo, devido aos elementos que já possuímos – signifique, segundo Dirceu, uma alimentação ideológica e/ou financeira por parte de segmentos do governo. Se isto é verdade, somos levados a concluir que sua maior motivação ou seus proventos principais não estão associados ao grande público leitor, capaz de atrair mais anunciantes, mas dependem, em primeiro lugar, de uma certa tendência politizante destinada a manter e fortalecer os mesmos homens nas mesmas posições políticas. Para fazê-lo, não se trata apenas de omitir aos olhos dos leitores os fatos que comprometem, mas também de maquiar mesmo as evidências mais diretas desses fatos, lançando mão de uma linguagem sutilmente adulterada. As pesquisas universitárias ligadas à Análise do Discurso são pródigas nesse tipo de investigação, com conclusões bastante surpreendentes sobre a ausência de neutralidade textual, mesmo nos mais poderosos veículos midiáticos.
Um desses fatos, como se viu, referia-se ao Foro de São Paulo. Negada pelo historiador Luis Felipe Alencastro em conferência internacional, a existência mesma do Foro foi também objeto de deboche por parte de alguns colunistas e autores de blogs na internet. A menção à entidade, fundada há exatos quinze anos por uma articulação entre PT e Partido Comunista Cubano, era quase que inteiramente associada à figura de Olavo de Carvalho, que parecia bancar o doido ao ser o único a alertar para uma organização esquerdista com projetos unificados para a América Latina, ligada não só a líderes conhecidos por seus feitos de caráter duvidoso, como Fidel Castro e Hugo Chávez, mas também a organizações que não falseiam suas identidades de guerrilheiras e revolucionárias, nomeadamente da Colômbia, do Chile e da Guatemala, declaradas terroristas por vários países.
Olavo de Carvalho tem escrito sobre o assunto há anos, desde antes da eleição de Lula para a presidência da República. E eis que o nosso Presidente se sente muito à vontade, hoje, para circular com esses radicais no exterior e em solo pátrio. Não deu uma resposta satisfatória ao jornalista Bóris Casoy quando este ousou perguntar na televisão, ao vivo, se as informações sobre o Foro eram verídicas. Mas hoje, quando tudo parece anunciar o desmonte do governo, com comportas abertas e intimidades devassadas, as notícias sobre o Foro já não podem ser ocultadas. A solução seria, portanto, positivá-las, com a omissão de detalhes e a negação de tudo o que poderia associar o PT a esquemas de esquerdização radical do país, conservando a todo custo no espírito dos brasileiros o mito do "Lula Light", responsável por sua eleição. Assim, hoje, em plena desconfiança geral sobre o governo e suas possíveis relações espúrias com a mídia jornalística, Olavo é dispensado do Globo, justo o jornal supostamente "nas mãos" de José Dirceu, e justo no momento em que o Foro começa a sair dos meandros de seus textos para ganhar, como no artigo do colunista Merval Pereira em 2 de julho, uma visibilidade aceitável. Parece-me coincidência demais.
Trata-se de um autor polêmico, odiado por muitos, mas, pelo teor de seus artigos, é presença mais que desejável no panorama midiático atual. Olavo não só destoa da unanimidade rodrigueana do esquerdismo light ou radical, mas tem a capacidade de compreender e prever fenômenos peculiares a nossa cultura. Era autor importantíssimo em um jornal de grande circulação como O Globo , pois oferecia uma visão crítica de muitos lugares-comuns do modo de ser e pensar do brasileiro. Ali, na página de opiniões, era a saudável voz discordante em meio ao zunzunzum monótono dos que se mostravam confiantes no Lula Light, no PT incorrupto e incorruptível, no projeto minoritário dos "radicais do partido" como o único radicalismo possível, enfim, nos esforços honestos de popularização de uma ideologia que, embora à primeira vista pareça favorecer pobres e excluídos, ao longo do tempo não hesita em lançar mão do proverbial "o fim justifica os meios" para implantar seus métodos nada democráticos. Ainda que discordem dele, os que o queriam fora da mídia não entendem a necessidade de se equilibrar o debate público com a exposição corajosa de prós e contras das soluções políticas disponíveis – até para que se evite a futura onipotência de Dirceus e Genoínos no comando do país. Sem esse debate, ficamos à mercê da unanimidade que não é apenas burra, mas voraz de poder.
Precisamos de Olavo de Carvalho, hoje mais do que nunca. Infelizmente, os editores do Globo não foram capazes de perceber que, acima de qualquer acordo financeiro ou concessão política, dos quais talvez nunca tenhamos certeza, havia o cumprimento de um dever histórico por meio dessa voz que agora se faz calar.