Carta aberta ao companheiro Lula

Gilberto Ramos - economista e empresário

O economista Gilberto RamosCuidado companheiro Lula. A campanha acabou, Lula foi eleito com todos os méritos, portanto, palmas para ele. O que está me preocupando é o excesso de exposição a que está sendo submetido. Os políticos, embalados no sucesso eleitoral, tendem a falar pelos cotovelos. A mídia bem que gosta e dá corda, afinal, fica com matéria para dar e vender. É natural que a ansiedade de Lula se transforme numa extroversão desenfreada, mas isso pode ser perigoso a curto prazo. Logo após a eleição ou posse, tudo que o personagem recém elevado ao altar da mídia diz vira manchete. Tenho notado que Lula já percebeu isso e está assustado, talvez inseguro, falando devagar, escolhendo cada palavra. Faz bem, uma coisa é falar como candidato, outra é falar como eleito. No primeiro caso, a responsabilidade por falar demais recairá unicamente no personagem mas, já eleito, tudo respinga no país. As elites têm um fantástico instinto de sobrevivência, pouco a pouco tentarão envolvê-lo com o afrodisíaco do poder. Tudo lhe cairá do céu: roupas, viagens, carros, jatinhos, assessores subservientes e assessoras lindas e perigosas... Os jornais e televisões se ajoelharão pedindo entrevistas exclusivas, os flashes espoucarão aos borbotões à cata de uma foto despretenciosa que vira um terremoto depois de editada. Cuidado companheiro Lula, como diz nosso grande Billy Blanco - quanto maior o coqueiro, maior o tombo do côco, ao final, quando o tombo termina, vamos todos para a horizontal-. Companheiro Lula, ninguém chega a presidente se não tiver virtudes abundantes. E você tem. Além do mais é um homem de sorte. Sua trajetória de campanha foi bafejada por coincidências felizes. Com goleiro de futebol também é assim por melhor que seja: pobre daquele que for azarado e a trave não ajudar. Quando Roseana Murad, embrulhada com papel côr-de-rosa e lacinhos de setim, subia nas pesquisas pelo ineditismo que representava, foi alvejada em pleno vôo. Bem que alguns políticos manjados tentaram arranjar uma explicação mas não deu. Sobrava Ciro que, com seu voluntarismo napoleônico, se autodestruiu pela loquacidade. Naquele momento as pesquisas mostravam Ciro vencendo Lula num possível confronto de segundo turno. Garotinho ? Esse rateou, derrapou, fez que ia mas não foi. Morreu na casca (ou no berço). Restou Serra, carregando o fardo pesado de um longo ciclo presidencial em que as reformas ditas salvadoras foram desconsideradas. O obstinado Lula se elegeu não pela experiência ou competência administrativa, seu mote foi a mensagem de justiça social permeada de ética política, galvanizadas pela coesão doutrinária do PT. Mas é preciso cuidado com a aproximação sorrateira das patotas políticas que infelicitaram o Brasil. Cautela redobrada com a intromissão da própria família em negócios do governo. O Brasil recente está cheio de exemplos -"cautela e canja de galinha nunca é demais". Que alguém lhe diga que o tratamento carinhoso de "companheiro" tem que mudar. Agora somos todos cidadãos igualados nos direitos e deveres. Opositores e situacionistas merecem o mesmo carinho e respeito. No início tudo são flores, mas lembre-se que administrar é contrariar interesses. Faça tudo que for antipático e doloroso nos três primeiros meses, pois se não fizer os radicais de lá e de cá se reorganizarão para, corporativamente, resistirem às mudanças. Do sexto mês de mandato até o final o governo atravessará o vale do desgaste e, se nesse período operar com competência, terminará no auge. Tomara. Cuidado Lula, não se permita ser usado para saciar a fome de notícias dos jornalões e a voracidade de vantagens dos jaquetões de Brasília. Gilberto Ramos