Aritmética da fome

Gilberto Ramos - economista, empresário, foi Vice-Prefeito do Rio

Minha avó adorava um ditado para lastrear as broncas com os netos travessos. Contra as desculpas do transgressor lá vinha a ladainha: "de boas intenções o inferno está cheio". Os políticos adoram uma frase de efeito para dourar o discurso que, geralmente, é pura demagogia. Lembro-me de Tancredo estufando o peito: "não pagaremos a dívida externa com o sangue dos brasileiros", ao que a platéia explodia em delirantes aplausos. Agora o discurso versa sobre a fome e Lula manda brasa: "quero cada brasileiro comendo pelo menos um prato de comida três vezes ao dia". Eu também quero. Ouvi de Roberto Campos a melhor e direta definição de subdesenvolvimento: "subdesenvolvimento é carência de capital". Claro, com capital eu resolvo qualquer dificuldade social. Quando ouço falar de alimentar os 32 milhões de brasileiros desnutridos, sofro uma recaída de economista ainda não curado de fazer contas. Imaginando que daremos 96 milhões de refeições/dia (32 x 3) e que cada prato de comida custe R$ 3,00 (por baixo), isso representa R$ 288 milhões/dia. Multiplicando pelos 365 dias do ano chegaremos a R$ 105,12 bilhões. Mas como a folga orçamentária para 2003 é de R$ 7,5 bilhões, e perguntar não ofende, indago: de onde virá a diferença de R$ 97,62 bilhões ? Será que a sociedade terá que pagar mais do que os 34% do PIB de tributos ? Será que essa tributação escorchante não vai agravar o problema ? Ou aparecerá algum país estrangeiro que queira patrocinar este mecenato a fundo perdido ? Será que caímos no conto do vigário das frases de efeito? De fato, o discurso não bate com as contas nacionais. Propaganda enganosa está prevista no CP, mas vale para os políticos ?