A mesma oportunidade para todos

por Gilberto Caruso Ramos, economista, foi Vice-Prefeito do Rio

No início de 2000, uma notícia no O Globo chocou a opinião pública do Rio: quatro mães foram estupradas quando passavam a madrugada na fila tentando matricular seus filhos na Escola Municipal José do Patrocínio, na Pavuna. Até hoje, obviamente, nossa eficientíssima Polícia Civil não prendeu os criminosos.

O mesmo O Globo, edição de 26/12/00, traz a seguinte reportagem de Marcelo Dias: "MÃES PASSAM O DIA NA FILA EM PORTA DE ESCOLA - com cadeiras e restos de ceia de Natal, elas esperam conseguir vagas hoje para os filhos". Esse papo de falta de matrículas tem 50 anos, pelo menos.

Durante o governo Carlos Lacerda, o melhor que o Rio já teve, foram inauguradas 46 escolas e iniciada a distribuição de merenda escolar para todas as crianças. Ao todo eram 791 escolas e 700 mil alunos. Hoje são 1033 escolas e o mesmo número de alunos. Qualquer idiota que saiba fazer contas logo verifica que tem alguma coisa errada e, com certeza, não é falta de prédio escolar. E mais, naquela época, a Secretária Terezinha Saraiva, grande Secretária, anunciava a existência de 42 mil vagas. Atualmente as mães são estupradas ou passam a noite na fila. Que diferença !

O impressionante é que existem vagas nas escolas particulares, que não são preenchidas por falta de poder aquisitivo das famílias. Essa criançada é então matriculada na escola estatal. Mas será que a escola pública é melhor ou mais barata ? Não creio. Mais barata certamente que não. Talvez falsamente gratuita. Ou se trata apenas de uma circunstância provisória de desconforto econômico das famílias ? Provavelmente sim, haja vista a procedência do alunado universitário, maciçamente oriundo das escolas particulares.

O setor público tem horror da competição e os funcionários públicos, por deformação cultural, detestam a hipótese de correrem riscos. Mas, nesse momento, deixemos de lado o corporativismo e pensemos patrioticamente: é hora de enfrentarmos a decadência educacional. Não basta colocarmos as crianças na escola mediante a premiação prevista no programa "bolsa escola".

É incrível, mas há certos modismos que viram tabus intocáveis e inquestionáveis. Ai de quem ouse contestar alguns programas públicos que caíram no gosto da grande imprensa. Pois, muito melhor do que a bolsa-escola seria o cheque-educação. Esse sistema é uma simples inversão do vetor financeiro: ao invés de pagarmos professores para darem aulas, financiaríamos os alunos para que as famílias pudessem pagar a escola de sua livre escolha.

Para que uma organização seja pública, basta que seja financiada com recursos públicos e seu acesso universalizado. Não há necessidade do prédio ser patrimônio do governo, nem a professora ser funcionária pública. De notar, no setor da saúde, o SUS já é uma introdução do princípio da gestão privada de recursos públicos via convênios com hospitais particulares.

A esquerda brasileira - aliás, temos esquerda ? - politizou a educação. Estou falando da esquerda dos barbudinhos, aqueles chatos que só discursam citando uma coleção interminável de slogans e chavões. E quando a política entra pela porta da frente da escola, a pedagogia é obrigada a sair pela porta dos fundos.

Já imaginaram o dia em que todas as crianças brasileiras, ricas ou pobres, brancas ou pretas, puderem freqüentar as mesmas escolas, beberem no mesmo bebedouro, ouvirem as mesmas professoras? Fico imaginando a saída da escola: mães elegantes e outras com vestidos simples e mãos calejadas e sem trato, todas se misturando e embaladas no mesmo sonho: o de construir uma sociedade mais justa, mais cristã e, por isso mesmo, menos violenta. Porque essa síndrome da segurança pública tem que começar a ser resolvida pela democratização da educação.

Valho-me de Shumpeter - Capitalismo, socialismo e democracia - "forçar o povo a aceitar alguma coisa que se acredite boa e gloriosa, mas que ele realmente não quer, constitui o próprio sinal revelador da tirania". O Brasil, sutilmente, pratica uma forma de appartheid, um appartheid pedagógico. Quando nascem duas crianças brasileiras, uma pobre e outra rica, para a pobre só lhe resta a escola estatal, porém, para a rica a escolha é possível. Até porque é um direito constitucional que a criança rica possa disputar a vaga na escola pública.

Mais do que premiar as famílias que mantêm seus filhos na escola, é fundamental estabelecer estímulos via competição para que elas melhorem o conteúdo. Com o cheque-educação será o fim da inadimplência humilhante e o advento da escola de qualidade. Com a soberania do mercado as boas escolas prosperarão e as escolas ruins fecharão. Que bom !