Paris
é a Cidade Luz, a Cidade Sonho, sonho em ânsias, desejos e, sempre,
realizações. Paris é tão linda e comovente que caminhar é o ideal,
dispensando-se metrôs e ônibus, pois cada metro quadrado guarda a sua poesia
extasiante. Nosso roteiro nos leva hoje ao Sacré-Coeur de Montmartre. A
Basílica do Sagrado Coração de Jesus em Montmartre, beleza arquitetônica,
alvadia, destacada, no alto de Paris, à guisa de mãos postas, erguidas para o
céu. Eis a sua história. A colina de gesso (pedra de gesso, sulfato de cal) a
dominar Paris pelo lado Norte, abrigou os templos de Marte e Mercúrio, dos
quais, alguns capitéis e cornijas subsistem. Seus nomes fornecem uma das
etimologias de Montmartre. A outra, Monte dos Mártires, surgiu do martírio de
São Denis, primeiro apóstolo cristão da futura capital, que teria passado
algum tempo nas pedreiras de gesso. Lá o santo fora martirizado, junto a dois
companheiros, Padre Rusticus e diácono Eleutherius. São Denis e os sequazes
foram decapitados. Para uns, em 250, para outros, em 272. Tendo a cabeça
decepada, o santo tomou-a, em sangue, entre as mãos, e caminhou em direção ao
Norte de Paris até o local onde hoje se encontra a Basílica de Saint-Denis.
Após os acontecimentos desastrosos de 1870 (invasão da França seguida de sua
derrota militar, carestia e peste), profundamente emocionados, os católicos do
país prometeram construir, sobre a colina, uma igreja em homenagem ao Sagrado
Coração de Jesus, sinal de confiança na ação Divina, quanto aos destinos da
França. O local foi escolhido sob a intervenção do Alto. Chovia copiosamente,
quando, montado a cavalo, o Cardeal Guibert, Arcebispo de Paris, portanto,
representante da Igreja, procurava o lugar ideal para a construção do templo.
Após muitas horas de cavalgada, sob a torrencial tempestade, impulsionado pela
intuição – o que o fez negligenciar outras localidades – o religioso subiu
até a colina. Ao atingir o cimo (altitude de apenas cento e trinta metros),
milagrosamente as nuvens se afastaram e o sol brilhou imponente. – Aqui
construiremos a Igreja dedicada ao Sacré-Coeur (Sagrado Coração de
Jesus) – decidiu. A lembrança do martírio de São Denis e a situação
elevada da pequena colina sobre Paris reforçaram sua escolha.
As cúpulas são
dominadas pelo domo e pelo campanário (oitenta e quatro metros) onde existe um
dos maiores sinos do mundo, denominado la Savoyarde, pesando mais de
vinte toneladas. No interior, resplandecentes mosaicos, mármores, esculturas,
vitrais e pinturas de rara beleza. Nesta Igreja são praticadas as atividades
religiosas que lhe são inerentes, além da Adoração Perpétua à Hóstia
Santa. Uma comunidade de fiéis, silenciosos, olhos fixos no ostensório exposto
no altar-mor, renova-se na adoração constante ao Corpo de Deus. Concebido
inicialmente como um monumento votivo, o Sacré-Coeur torna-se, a partir de
1885, um santuário de oração contínua, perpétua, encadeando-se, noite e
dia, sem nenhuma interrupção. Mantida por leigos parisienses, subsistiu até
mesmo à invasão de Paris em 1940, graças ao devotamento intrépido de muitos
que atravessaram as colunas militares para chegar a Montmartre, assim como na
noite do bombardeio de abril de 1944, quando os vitrais despencaram e o
edifício tremeu sob o efeito das bombas aliadas. Entre os adoradores, dos mais
fiéis, estão o Padre Charles de Foucauld, entre sua conversão e a partida
para a Trapa (tornou-se frei trapista) e Max Jacob, poeta de origem israelita,
que arriscou a sua vida durante a ocupação para garantir uma noite de oração
junto ao Sagrado coração, antes de morrer tragicamente em Drancy.
Padre
Jean Derobert (hoje em Marseille), quando capelão da Basílica, relatara que a
representação de Cristo de Montmartre, no grande mosaico do coro, está
exatamente direcionada ao nosso Cristo do Corcovado, ambos de braços abertos. O
Cristo de Montmartre, em Paris, a fitar o Cristo Redentor, no Rio de Janeiro,
como se abraçassem, carinhosamente, entre si, nossos países, a França e o
Brasil.
Existe uma canção, intitulada Montmartre, do cantor Georges Chelon que,
além de agradável e melodiosa, apresenta um verdadeiro roteiro turístico,
pleno de charme, a revelar detalhes fascinantes sobre o outeiro. Montmartre,
encanta por sua magia. Cada recanto faz sonhar. O turista é capaz de apossar-se
de erradias reminiscências nos acordes melancólicos que se adivinha por entre
as árvores. A cada estação o seu charme. Na primavera a alegria contagia, as
flores se mostram e os seres copiam os cantos dos pássaros. No verão tudo é
cor, vida e movimento a prolongar-se nas festas da noite. Chelon, em sua
canção diz que todos pensam que Montmartre é Paris. Ele afirma que Montmartre
é Montmartre e que os parisienses vêm passear na butte (colina) não
sem um certo despeito... No outono, fremem as folhas, cor de fogo, tangidas
pelas lembranças vivas do passado, vibrando nos remoinhos grises que o vento
frio dissemina a chegar. No inverno as pessoas carregam suas almas e acumulam
reminiscências que as alimentarão para sempre de fantasias e agradável
nostalgia. No século dezenove, artistas, pintores e escritores foram atraídos
pela vida pitoresca e livre que a colina oferece. Berlioz, Nerval, Murger, Heine
iniciam a grande geração dos anos 1871 a 1914. Pintores menores desembocam, em
busca de inspiração, no mercado de modelos da praça Pigalle. Montmartre é um
campo fecundo onde floresce a arte em todas as suas nuances. Os primeiros
círculos poéticos, Club des Hydropathes e o Chat Noir, se transformam em salas
de espetáculos populares caf´-con‘ onde surgem as canções de Aristide
Bruant, os poemas eternos de poetas eternos, os desenhos de Caran d´Ache e de
André Gill, este último tendo realizado um cartaz para o então chamado
Cabaret
des Assassins. Tratava-se de um coelho fugindo da caçarola. Coelho, em francês
é lapin ; este coelho esperto ou fujão, ficou sendo conhecido como o coelho do
André Gill – le lapin à Gill, hoje a casa noturna chama-se Au Lapin Agile
(Ao coelho ágil) e
mantém a sua tradição, em canções, no sucesso e na freqüência de
personalidades. De 1908 a 1914 escritores e artistas debutantes freqüentavam o
cabaré. Entre eles, Francis Carco e Picasso. “Cada casa é um caso” que
renderia alguns livros... O Château des Brouillards, antiga “folie”
do século dezoito, baile popular mais tarde, teve a honra de acolher o poeta
Nerval como morador. O parque tornou-se Square Susanne-Buisson. Note-se a
estátua de Saint-Denis, no local onde ele teria lavado sua cabeça decepada e
ensangüentada. O Moulin Rouge, (Moinho Vermelho) com as suas asas, ou
pás,
domina
a praça Blanche. Baile que fez furor em Paris na Belle Époque, e
que atrái, ainda hoje, milhares de turistas para suas apresentações, foi
imortalizado nas telas de Toulouse-Lautrec, seja o french-cancan desenfreado,
ou cenas da vida noturna, fotografias fiéis de seus personagens, dançarinas,
figuras ilustres, modelos que suscitaram outras telas e muitos romances. Le
Bateau-lavoir – viu nascer a história da arte nesta França gloriosa. Na
Place Émile-Goudeau, nº 13, por volta de 1900 a pintura e a poesia modernas
surgiram pelas mãos de Picasso, Van Dongen, Braque, Juan Gris. Estes criaram o
cubismo. Já, Max Jacob, Apollinaire e Mac Orlan abrolharam as vertentes novas
da expressão poética. Entre tantos – cada restaurante tem o seu charme –
apresentamos a sugestão de um excelente restaurante nas cercanias da Basílica.
Trata-se do conhecido e elegante Moulin de la Galette, famoso por seus
bailes populares, muito em voga no final do século dezenove, inspirou Renoir,
Van Gogh, Willette e muitos outros pintores. O antigo moinho domina a colina há
sete séculos.
Na Place du Tertre podemos admirar amontoados, eles mesmos a
formar uma tela pitoresca, pintores atuais e suas obras, muitos a pintar
Montmartre diante dos turistas. Pouco abaixo, um museu com as obras de Salvador
Dali. Imperdível o Museu de Montmartre, imortalizando a boêmia da colina,
cabarés, pintores, assinaturas “de ouro” de toda uma época muito rica e
criativa. Poesia pode ser o deixar a butte descendo as escadarias em pedras
multiformes da Rua Foyatier. Ladeada por árvores entristecidas, cortada, ao
centro, pela fileira de antigos lampiões, a rivalizar suas luzes cálidas com o
expirar tênue do sol, a ladeira inspira... Tem-se a vontade de descer calado,
sob a brisa fria. Nos olhos a luz rosada dos delicados revérberos, no peito, o
calor agradável da emoção.
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