Geralmente,
quem vem à Itália segue um itinerário fixo, visitando, rapidamente, duas ou
três cidades: Roma, Florença e, às vezes, Veneza. O visitante - não gosto de
chamá-lo de turista - tem, deste jeito, uma idéia muito superficial da
verdadeira Itália, a das pequenas cidades, que nada têm a invejar às grandes
em termo de beleza e de cultura. Cada uma tem sua história que se encaixa na
história da península, como os caroços na romã. A Itália, sem elas, não é
a verdadeira, pois, desde a idade média, todas representavam um pequeno estado
que ia se desenvolvendo, autonomamente, do ponto de vista político, social,
cultural e lingüístico - é por isso que a Itália conta de um grande número
de dialetos. Uma das áreas mais interessantes, deste ponto de vista, é a
região do Vêneto, cuja capital é Veneza, cidade-estado, República que durou
1.377 anos. A sua constituição serviu de base a Benjamim Franklin na
formulação da constituição norte-americana.
Mas não é de Veneza que hoje falaremos. Itinerário interessante é um passeio
pelo interior da Região, pelas estradas que levam nomes significativos: la
strada del vino rosso, la strada del vino bianco e la strada del Prosecco. O
Vêneto
é, de fato, uma das regiões mais ricas de vinho. Todas estas estradas se
cruzam numa pequena e belíssima cidade: Conegliano. Construída ao redor de um
castelo sobre uma colina, às margens do rio Piave - considerado sagrado à
Pátria , teatro de uma das mais sangrentas batalhas da primeira guerra mundial
- a cidade é uma pequena jóia, com os portici, suas marquises cobertas,
marco arquitetônico típico da região, com seus belos passeios, com suas
igrejas e com a Accademia. A
comida é outra característica.
Um conselho de amigo? Não se pode deixar de jantar no Restaurante "Al
Salisà" onde se pode ser atendidos em português, e onde o paladar é
agraciado por sabores únicos, tentadores e deleitosos. Produtos típicos
são o aspargo, o radicchio rosso, os cogumelos e os morangos. Mas o
orgulho mesmo é o vinho Prosecco. Trata-se do primeiro vinho espumante natural,
documentado na literatura em 1710, bem antes da “descoberta” do champagne
por Dom Perignon. Neste vinho é bem representada a alma desta terra forte e
generosa. A alma da razza Piave. Este néctar não pode faltar nas mesas
para acompanhar a comida, mas pode ser servido, bem gelado, como
aperitivo. Os vinhos de Conegliano e das suas redondezas, estão presentes
sobre as mesas de alemães, austríacos, suecos, holandeses, belgas,
dinamarqueses, suiços, canadenses, norte-americanos e, agora, trazem alegria
às mesas brasileiras, pois levam consigo o sorriso das colinas de Conegliano.
Conegliano, pátria do grande pintor, aluno de Bellini, Cima da Conegliano. Aqui
se inspiraram Tiziano, Giorgione, Canaletto e Guardi, imortalizando suas
paisagens. A cidade é famosa, igualmente pelas redondezas. Em Asolo, onde
nasceu a atriz Eleonora Duse - sócia honorária da Sociedade Italiana de
Beneficençia e Mútuo Socorro do Rio de Janeiro - existe uma famosa villa véneta, sede de
um dos mais bonitos hoteis da Itália, já pertencente a
Arrigo Cipriani, o “inventor” do famoso Carpaccio. Nesta pequena e
encantadora cidade, o poeta inglês Robert Browning decidiu viver de amor
e de elegias. Ásolo, com seus palácios
de balcões floridos, suas butiques refinadas e sua natureza deslumbrante, é
mágica. Em Solighetto encontramos o prestigioso Hotel Restaurante "Locanda
alla Posta da Lino", com sua
sala enfeitada por cerca de três mil panelas de cobre penduradas no teto e que
tinha como ilustre cliente a célebre soprano Toti dal Monte e o esposo, Mario
del Monaco. Em San Polo, pode-se jantar num parque maravilhoso que abriga o
restaurante Gambrinus, cujo dono, Angelo, já esteve ao Brasil para apresentar
as delícias da gastronomia véneta. Na pequena cidadizinha de San Biagio di
Collalto viu a luz o grande estilista Piero Cardin. Na belíssima Possagno,
nasceu um dos mais famosos escultores do século XVIII, Antonio Canova
(1757-1822). Iniciou a carreira em Veneza, depois se estabeleceu em Roma, onde
abraçou os ideais neo-clássicos. Apreciado pelos papas e, depois, por
Napoleão - para quem trabalhou em Paris - conquistou renome internacional,
exercendo uma grande influência sobre toda a cultura
européia do Oitocento. Suas obras-primas são: Amore e Psiche (Paris, Louvre),
Monumento a Clemente XIII (Roma, S.Pietro), Paolina Borghese (Roma, Galeria
Borghese), Napoleão (Milão, Brera), Le tre Grazie (San Pietroburgo, Ermitage),
Venere Italica (Firenze, Palazzo Pitti). Construiu o Tempio di Possagno - onde
estão guardadas cópias de suas obras, em gesso - e realizou algumas pinturas.
Além de produzir móveis, tecidos e máquinas, Conegliano é, porém, uma das
capitais do vinho. Inúmeras são as aziende vinicole, a mais famosa é a
Carpené-Malvolti - que produz o melhor Prosecco. Antonio Carpené, químico e
enólogo, foi o fundador, em 1877, da Escola de viticultura e de enologia,
herdeira das tradições enológicas da República de Veneza. No discurso
inaugural, pouco tempo depois da unificação da Itália, ele disse: «Com a
liberdade voltamos ao trabalho e, do trabalho constante da inteligência e do
braço, colheremos frutos, sem os quais a independência nacional nada mais é
se não política e, por isto mesmo, não se pode dizer completa». Trabalho da
inteligência e do braço. Este é o lema do povo vêneto, que representa, hoje,
o símbolo da laboriosidade italiana, baseada sobre o esforço conjunto das
famílias. Um exemplo por todos é o da família Benetton que, em poucos anos,
soube conquistar os mercados mundiais.