Um painel sobre a história italiana

Carlos Augusto Brandão, especial para a Italiamiga

La Meglio Giuventù , do italiano Marco Tullio Giordana, é dos filmes selecionados para o 41o Festival de Cinema de Nova York, que acontecerá de 3 a 19 do outubro próximo. Depois do enorme sucesso em Cannes, onde ganhou o prêmio Un Certain Regard, o filme foi adquirido pela poderosa Miramax, o que lhe dá garantia de exibição em vários países mundo afora. Um misto de autobiografia e viagem sentimental compõem um painel com a história da Itália vista pelos olhos de Giordana, um milanês até agora mais conhecido pelo seu filme anterior, I Cento Passi . La Meglio Giuventù é a história de uma família italiana do final dos anos 60 até os dias de hoje, contendo como pano de fundo eventos cruciais da história recente italiana. A trama segue dois irmãos, Nicola e Matteo, interpretados respectivamente por Luigi Lo Cascio e Alessio Boni, cujas vidas tomam outro sentido e outro destino quando eles encontram Giorgia, uma jovem mulher com problemas mentais, vivida por Jasmine Trinca. No início, os irmãos dividiam os mesmos sonhos, as mesmas esperanças, os mesmos livros e a amizade de muitas pessoas. Depois de conhecerem Giorgia, Nicola decide se tornar um psiquiatra e Matteo abandona seus estudos e entra para a polícia. O filme tem emocionado o público em todos os lugares onde já foi exibido, apesar de suas quase seis horas e meia de duração, um recorde difícil de ser batido no cinema de hoje. A verdade é que ele vale cada minuto da nossa atenção: são cenas antológicas e inesquecíveis, que desfilam aos olhos do espectador. Muitos se vêem nos acontecimentos e nas pessoas que são mostradas. "As pessoas se reconhecem, seja na sua história pessoal ou na sua posição frente à vida; tem sido um fenômeno ao mesmo tempo estranho e mágico", constata o diretor. No longo painel traçado pelo filme, desfilam aos nossos olhos momentos importantes da história italiana e a repercussão na vida das pessoas na Itália e em outros lugares: os movimentos dos jovens estudantes, o terrorismo, a Sicília e sua luta contra a máfia, canções que marcaram época, Turim durante os anos 70 com seus trabalhadores de colarinho azul, Milão durante os anos 80, as crises durante os 90 e todos os esforços que vêm sendo feitos para reconstruir e reinventar uma nação moderna. O projeto, idealizado como o retrato épico de uma geração, foi originalmente concebido para ser uma mini série de televisão. Posteriormente, devido ao grande impacto que causava no público e ao grande sucesso entre os críticos, transformou-se em um longa metragem para ser distribuído dividido em duas partes. "Eu sempre achei que o destino desse filme era o cinema. Eu sentia que um dia ou outro ele acabaria tendo a chance de ser mostrado na tela grande", diz Giordana , complementando que embora o projeto seja atípico dentro da produção italiana, ele teve total liberdade para realizar a adaptação para o cinema. O roteiro foi escrito por Sandro Petraglia e Stefano Rulli e o título é inspirado numa coleção de poesias friulanas do diretor italiano Pier Paolo Pasolini e numa velha canção que era cantada pelas tropas alpinas italianas.

A história tem muito a ver com a vida de Giordana. Ele nasceu em Milão, em 1950 e foi marcado profundamente pelos eventos políticos dos anos 70, assim como pelas atividades da máfia. Tudo isso acabou influenciando nos temas de seus filmes. "Eu assisti a muitos desses fatos ao longo da vida", explica o diretor, acrescentando que os roteiristas são da mesma geração dele, o que certamente contribuiu para a unidade de pensamento expressa pelo filme. Os dois heróis de La Meglio Giuventù não são personagens estereotipados ou criados como produtos para vender o filme. O sofrimento de Matteo, o calvário de Giorgia no seu inferno psiquiátrico, o humanismo excepcional de Nicola, são mostrados por Giordana com uma justa mistura dedistância e empatia. "Eu não queria explicar, apenas mostrar. É isso que dá ao filme um olhar afetuoso e ao mesmo tempo um pouco distante. Eu compreendi que é impossível explicar as motivações íntimas das pessoas, há sempre uma zona de mistério que não se pode explicar, somente aceitar", explica Giordana, dizendo que ele, afinal , aceita e ama a Itália, mesmo com seus defeitos. A delicadeza da afirmação se reflete obviamente no épico apaixonante de Giordana e explica o sucesso que seus personagens vêm tendo nesse drama humano e social que é La Meglio Giuventù.