Dia 28 de fevereiro, aconteceu um fato histórico: o fim da lira. Já em julho
acabou a produção das notas, enquanto as moedas de 50, 100, 200 e 500 pararam
de ser cunhadas em 1999, e a de 1 mil liras, em 1998. De agora em diante apenas
euros serão utilizados.
A história da Lira vem de muito longe: era unidade de
peso dos Romanos, Carlos
Magno a transformou em unidade monetária abstrata e Napoleão, primeiro, fundiu
uma de metal. Ao tempo do Imperador Carlos Magno, seus legisladores adotaram a
"libra" - até então, apenas unidade de peso - para indicar um certo
número de moedas chamadas denaro. A libra romana equivalia a 325 gramas
atuais. Carlos Magno quis estender às terras ocupadas na Itália, o sistema que
o pai dele, Pipino Breve, tinha adotado no reino franco. Carlos Magno instituiu
o monometalismo de prata com uma única moeda legal, o denaro,
correspondente à 240.ma parte de uma libra. Precisamente 240 denari
"pesavam" ou valiam uma libra de prata. Era o tempo em que o dinheiro
se constituía de moedas metálicas cujo valor correspondia ao real valor da
prata ou do ouro nelas contido. Na realidade a moeda chamada "libra"
não existia, mas a palavra adquiriu uma nova conotação, tornando-se unidade
de contagem. Era muito mais fácil dizer uma lira que 240 denari. A moeda
que circulava antes da reforma, o soldo, começou a valer 12 denari, isto
é, 20 soldos valiam uma libra. Essa divisão correspondia à situação
monetária da Grã Bretanha até 1971, com a libra dividida em xelins e penny,
como nos tempos de Carlos Magno. De igual maneira os franceses mantiveram a lira
turonensis até a Revolução, dividida em 20 e 12 partes. Com o fim da
Lira italiana e, futuramente, da Lira (Libra) inglesa, ficarão, apenas liras na
Turquia, em Chipre, Malta e Israel.
Quando o império fundado por Carlos Magno desabou, cada Estado começou a
cunhar sua própria moeda, mas com o conteúdo de prata, inferior ao das moedas
de Carlos Magno e diferentes entre si. Chegaram as liras paveses, milanesas,
veronenses, luccheses sempre de 240 denari, mas eram denari de Pavia, Milão,
Verona, Lucca, cada uma de diferente valor, e todas abstratas, no sentido de que
a lira era apenas uma unidade de contagem, pois seu valor era, ao longo dos
séculos, muito grande para uma única moeda. Aos poucos, porém, este valor foi
diminuindo e, a partir da metade do século XVIII, em algumas regiões da
Itália foi possível ter as liras no bolso. Neste mesmo período, exatamente em
1746, apareceram as primeiras liras de papel, pelo edito real de Carlo Emanuele
III de Savoia. Este papel não tinha o valor de um metal semiprecioso, mas
continha a promessa de poder ser trocado com seu relativo valor em ouro.
Baseando-se sobre esta garantia - não sempre respeitada pelos governantes - foi
assim possível fazer com que o povo aceitasse esta mudança traumática, pois
os governos precisavam sempre de mais dinheiro e não era possível ficar
ligado, para produzi-lo, aos estoques de ouro ou prata. As notas se tornaram, ao
longo do tempo, sempre mais aceitáveis, mas o processo de desenvolvimento dos
instrumentos de garantia foi demorado, problemático, difícil e repleto de
desastres. Com a revolução francesa, a antiga lira turonensis - da cidade de
Tours - teve seu crepúsculo. Em 1793, nascia a Lira, nova moeda francesa,
dividida em décimos e centésimos e, finalmente, em 1795 a lira passou a ser
chamada de franco. Napoleão Bonaparte levou pela Europa o novo sistema
monetário. No Reino da Itália, recebeu o nome de lira italiana. Com a derrota
de Napoleão, tentou-se retornar ao sistema antigo, mas a racionalidade da
divisão em centésimos e decimais resultou na aceitação do sistema
napoleônico. O Reino de Sardenha instituiu, em 1816, a Lira Nuova di Piemonte,
por vontade do rei Vittorio Emanuele I.
No ano seguinte nasceu a lira italiana definitiva em moedas e notas.
Definitiva na substância, não na forma, pois os antigos bancos que emitiam as
várias moedas antes da unificação continuaram suas emissões e, assim, cada
banco punha em circulação suas notas e os italianos tiveram que conviver com
notas da Banca Romana, do Banco di Napoli, do Banco di Sicilia, da Banca
Nazionale Toscana di Credito per le Industrie e il Commercio, da Banca Nazionale
del Regno d’Italia e outros bancos menores. Em 1893, boa parte destes
Institutos se uniu para formar o Banca d’Italia que, aos poucos, absorveu os
outros. Este processo terminou em 1926. Nestes últimos 139 anos foram postas em
circulação cerca de 500 diferentes tipos de notas. Tivemos muitas
desvalorizações da moeda, as mais dramáticas depois das duas guerras
mundiais.No tempo de Carlos Magno, com uma lira podia-se comprar um escravo e
dez carneiros. No final do século passado, 2 500 liras eram o salário de um
funcionário do correio, hoje são apenas suficientes para comprar um sorvete.
Reis, artistas, cientistas e benfeitores, italianos ilustres além de uma longa
série de invenções, de criaturas alegóricas (Justiça, Comércio, Lei,
Itália, Roma, Veneza, Gênova...) e de inúmeros desenhos fantásticos foram
utilizados para ilustrar as notas e dificultar o trabalho de falsários. Temos
que acrescentar, ainda, obras de arte, cenas de trabalho ou imagens
significativas. Nas notas mais antigas, os protagonistas são os reis; o
fascismo deu mais importância às alegorias, enquanto a república privilegiou
os personagens. Naturalmente, em todas as épocas houve exceções. As moedas,
então, sempre eram caracterizadas por signos mais sintéticos, mas de grande
significado simbólico. Além dos perfis de reis, encontramos ao longo dos anos
quadrigas, deuses, peixes, laranjas, abelhas, espigas, caravelas ect. As moedas
italianas mais requintadas e elegantes foram emitidas durante o reinado de
Vittorio Emanuele III, pois este rei foi um apaixonado por numismática. Além
do dinheiro que podemos chamar de normal, existiram notas quase desconhecidas
(as emitidas durante o século passado por pequenos bancos, por exemplo). Outras
estão ligadas a um certo triste período de nossa vida recente, como as
famigeradas "AM Liras", que os aliados despacharam a mãos-cheias a
partir de 1943, contribuindo bastante por a dramática desvalorização da moeda
deste último pós-guerra.
Com a chegada do euro, a lira italiana se tornará um verdadeiro fantasma, uma relíquia que continuará lembrando aos italianos as travessias, os acontecimentos, os sonhos, a vida de todos os dias de um não longínquo passado.