Nelson e o moralismo

Antonio Olinto - Jornal de Letras -Fevereiro de 2002

O acadêmico Antonio OlintoRecebo da Romênia carta de professor que me pede consiga para ele exemplar do romance "O casamento", de Nelson Rodrigues, que deseja usar juntamente com "Dona Flor e seus dois maridos", como bases de um seminário sobre literatura a se realizar na Universidade de Bucarest. Por causa disso, reli o romance de Nélson, lançado, com enorme sucesso, em 1966. Procurei ler a lista de livros mais vendidos - que eu então organizava n'O Globo do Rio de Janeiro - e lá encontrei, na edição desse jornal de 17 de setembro de 66, a indicação: "Dona Flor e seus dois maridos", de Jorge Amado, 1º lugar; "O Casamento", de Nélson Rodrigues, 2º lugar. O primeiro ocupava essa posição havia seis quinzenas. O de Nélson, duas. Romance do Rio de Janeiro era "O casamento" o perfeito retrato de um tempo e de um lugar, transcendendo, porém, de cara, esse tempo e esse lugar, pois desnudava os personagens de todas as suas roupas (a roupa física, moral e espiritual) e sabemos que, sem roupa, o homem toca o fundo mesmo de sua transitoriedade civilizada. Tiremos o enfeite, o de fora, o que passa, o efêmero, e o ser humano surgirá nu. Virá à tona o que se nivela na morte, no amor do dia-a-dia, no desejo de conquistar uma liberdade e uma independência que nos permitam romper as barreiras. Reconheçamos que, no âmago, Nélson Rodrigues era um moralista, no bom sentido da palavra. Seu moralismo, sendo autêntico e intenso, funcionava como de um ex-seminarista - e aí tenho experiência pessoal no assunto - que, ao descobrir que nem tudo é puro no mundo, pode achar que tudo acabe por ser impuro. Mas a presença de uma aspiração à pureza está ali, presente, forte, indestrutível. O que Nélson Rodrigues desejava, que era a pureza absoluta, era impossível. E eu o colocaria ao lado de Teilhard de Chardin, para quem o homem ainda não está nem completo nem perfeito. Há que torna-lo melhor. Há que apressar as hominização. Se a noiva peca - e seu pai, seus parentes, suas amigas, seu antigo apaixonado, seu médico - se todo o mundo peca no romance "O casamento" - o importante é que nele predomina um sentimento do pecado, que todos os personagens da história entendem como tal. Ao receber o pedido agora do professor romeno, ocorreu-me que valeria a pena fosse "O casamento", de Nélson Rodrigues, reeditado neste começo de um novo milênio.