O
cultuado diretor italiano Mario Monicelli foi o grande homenageado do último
Festival de Viareggio , realizado no pequeno e bucólico balneário da Toscana.
Monicelli , até onde se sabe - porque ele mesmo faz questão de manter a
dúvida - é natural de Viareggio, onde nasceu em 1915, filho de um crítico
teatral e de uma jornalista. A exemplo de seu pai, ele também começou sua
carreira como crítico , só que na área de cinema, que acabaria sendo uma
paixão para toda a vida. Sua primeira experiência como diretor foi com o curta
Cuore Rivelatore que ele fez com o amigo Alberto Mondadori. Nessa
época Monicelli estudava Literatura e Filosofia na Universidade de Roma. Após
esse primeiro passo , participou da elaboração de mais de 50 roteiros , quando
começou a carreira como diretor com o longa metragem Pioggia D'Estate
usando o pseudônimo de Michele Badiek. Sempre que é perguntado sobre a
veracidade de ter usado esse pseudônimo, Monicelli sorri e desconversa, da
mesma forma que faz quando o interrogam sobre o verdadeiro lugar onde nasceu. De
qualquer forma, com ou sem pseudônimo, Monicelli felizmente continuou sua
brilhante carreira no cinema, nos brindando com clássicos como Os Eternos
Desconhecidos, Pais e Filhos, A Grande Guerra, Casanova 70
e os inesquecíveis Os Companheiros e O Incrível Exército de
Brancaleone. As homenagens prestadas a ele em Viareggio incluíram também o
convite para presidir o Júri da mostra competitiva do Festival. O veterano
diretor tinha chegado recentemente do Oriente Médio, onde juntamente com mais
10 diretores participou da série "Um Novo Mundo é Possível",
composta de pequenos episódios ambientados no território ocupado de Israel. Da
série fez parte, entre outros, Ettore Scola, Marco Bellocchio, Gillo Pontecorvo
e os irmãos Paolo e Vittorio Taviani. Na coletiva com os jornalistas programada
pela organização do festival, estávamos ansiosos para saber qual o segredo de
tanta vitalidade. "Trabalhar sempre é um deles", disse ele de
um jeito bem humorado, complementando que a velhice tem uma grande vantagem:
"Quando a gente chega numa determinada idade adquire imunidade para
muitas coisas. Hoje não preciso medir tanto as palavras para dizer o que penso
e também posso reconhecer meus erros com um sorriso que todos ficam muito
compreensivos", afirmou. O diretor de Os Companheiros (que teve
recentemente uma memorável sessão no Odeon) anda, no entanto, preocupado com o
ritmo veloz da época em que vivemos: " É um mundo muito imprevisível
e absurdo. A velocidade com que as coisas ocorrem é tão grande que devemos ter
cuidado ao escrever um roteiro, porque ele pode estar totalmente ultrapassado
amanhã", ensinou. Mas Monicelli não se expressa em tom pessimista.
Pelo contrário, diz que está feliz em poder estar filmando e também com o
reconhecimento que tem tido sobre o seu trabalho através das muitas homenagens
que vem recebendo e do relançamento de vários dos seus filmes na Itália e em
outros países. "Recentemente tive uma recepção bastante calorosa no
último Festival de Locarno, onde O Incrível Exército de Brancaloene foi
mostrado para uma multidão em praça pública", contou o diretor
acrescentando que, após a sessão, foi bombardeado com inúmeras perguntas .
"É incrível como após passado tanto tempo, as pessoas ainda lembram e
querem saber sobre o filme", refletiu. Antes de responder a uma
indagação sobre o método de trabalho que adotou em Os Companheiros, Monicelli
falou em tom jocoso : "vocês não querem saber dos meus outros filmes ?
Eu fiz muitos outros", disse ele ressalvando que estava apenas
brincando pois já está acostumado com o fato das perguntas girarem sempre em
torno de Os Companheiros e o Incrível Exército de Brancaleone. Sobre o método
que adotou, contou que a exemplo de todos os seus trabalhos, não seguiu um
esquema rígido quando fez o filme: "A linguagem se inventava na hora
segundo a inspiração do momento, que podia mudar de um dia para o outro
", revelou. Perguntado sobre o cinema na Itália nos dias de hoje,
Monicelli lamentou que como todos os cinemas mundiais, à exceção do
americano, o italiano também venha passando por dificuldades. "Além
disso, na Itália, todos os dias, a realidade supera a fantasia. Isso certamente
tem uma grande influência nos filmes italianos, e não apenas neles mas também
no cinema como um todo, bem como na sociedade", afirmou. No momento, o
incansável Monicelli está trabalhando num novo roteiro com a amiga Suso Cecchi
d'Amico, escritora de alguns dos melhores filmes de Luchino Visconti como O
Leopardo e Rocco e seus Irmãos. "O filme conta a história
daqueles imigrantes que tiveram enorme influência na composição da estrutura
social da Itália", explicou o diretor, complementando: "foram
pessoas importantes e que deram uma grande contribuição para a formação
econômica, social e cultural do nosso País e deles nós ainda sabemos muito
pouco: quem são, como vivem, o que pensam, o que fazem, enfim suas verdadeiras
identidades". Ao final, fez questão de nos convidar para a homenagem
que receberia à noite na sede do Festival, no enorme Cine Politeama. Lá
tivemos oportunidade de ouvir Monicelli, no discurso de agradecimento, dar mais
uma pista para a discussão se nasceu - ou não - em Viareggio: "está
é mais uma vez que esta cidade me recebe como um filho", disse com um
sorriso enigmático.