Monicelli continua na ativa

Carlos Augusto Brandão, especial para a Italiamiga.

O diretor Mario MonicelliO cultuado diretor italiano Mario Monicelli foi o grande homenageado do último Festival de Viareggio , realizado no pequeno e bucólico balneário da Toscana. Monicelli , até onde se sabe - porque ele mesmo faz questão de manter a dúvida - é natural de Viareggio, onde nasceu em 1915, filho de um crítico teatral e de uma jornalista. A exemplo de seu pai, ele também começou sua carreira como crítico , só que na área de cinema, que acabaria sendo uma paixão para toda a vida. Sua primeira experiência como diretor foi com o curta Cuore Rivelatore que ele fez com o amigo Alberto Mondadori. Nessa época Monicelli estudava Literatura e Filosofia na Universidade de Roma. Após esse primeiro passo , participou da elaboração de mais de 50 roteiros , quando começou a carreira como diretor com o longa metragem Pioggia D'Estate usando o pseudônimo de Michele Badiek. Sempre que é perguntado sobre a veracidade de ter usado esse pseudônimo, Monicelli sorri e desconversa, da mesma forma que faz quando o interrogam sobre o verdadeiro lugar onde nasceu. De qualquer forma, com ou sem pseudônimo, Monicelli felizmente continuou sua brilhante carreira no cinema, nos brindando com clássicos como Os Eternos Desconhecidos, Pais e Filhos, A Grande Guerra, Casanova 70 e os inesquecíveis Os Companheiros e O Incrível Exército de Brancaleone. As homenagens prestadas a ele em Viareggio incluíram também o convite para presidir o Júri da mostra competitiva do Festival. O veterano diretor tinha chegado recentemente do Oriente Médio, onde juntamente com mais 10 diretores participou da série "Um Novo Mundo é Possível", composta de pequenos episódios ambientados no território ocupado de Israel. Da série fez parte, entre outros, Ettore Scola, Marco Bellocchio, Gillo Pontecorvo e os irmãos Paolo e Vittorio Taviani. Na coletiva com os jornalistas programada pela organização do festival, estávamos ansiosos para saber qual o segredo de tanta vitalidade. "Trabalhar sempre é um deles", disse ele de um jeito bem humorado, complementando que a velhice tem uma grande vantagem: "Quando a gente chega numa determinada idade adquire imunidade para muitas coisas. Hoje não preciso medir tanto as palavras para dizer o que penso e também posso reconhecer meus erros com um sorriso que todos ficam muito compreensivos", afirmou. O diretor de Os Companheiros (que teve recentemente uma memorável sessão no Odeon) anda, no entanto, preocupado com o ritmo veloz da época em que vivemos: " É um mundo muito imprevisível e absurdo. A velocidade com que as coisas ocorrem é tão grande que devemos ter cuidado ao escrever um roteiro, porque ele pode estar totalmente ultrapassado amanhã", ensinou. Mas Monicelli não se expressa em tom pessimista. Pelo contrário, diz que está feliz em poder estar filmando e também com o reconhecimento que tem tido sobre o seu trabalho através das muitas homenagens que vem recebendo e do relançamento de vários dos seus filmes na Itália e em outros países. "Recentemente tive uma recepção bastante calorosa no último Festival de Locarno, onde O Incrível Exército de Brancaloene foi mostrado para uma multidão em praça pública", contou o diretor acrescentando que, após a sessão, foi bombardeado com inúmeras perguntas . "É incrível como após passado tanto tempo, as pessoas ainda lembram e querem saber sobre o filme", refletiu. Antes de responder a uma indagação sobre o método de trabalho que adotou em Os Companheiros, Monicelli falou em tom jocoso : "vocês não querem saber dos meus outros filmes ? Eu fiz muitos outros", disse ele ressalvando que estava apenas brincando pois já está acostumado com o fato das perguntas girarem sempre em torno de Os Companheiros e o Incrível Exército de Brancaleone. Sobre o método que adotou, contou que a exemplo de todos os seus trabalhos, não seguiu um esquema rígido quando fez o filme: "A linguagem se inventava na hora segundo a inspiração do momento, que podia mudar de um dia para o outro ", revelou. Perguntado sobre o cinema na Itália nos dias de hoje, Monicelli lamentou que como todos os cinemas mundiais, à exceção do americano, o italiano também venha passando por dificuldades. "Além disso, na Itália, todos os dias, a realidade supera a fantasia. Isso certamente tem uma grande influência nos filmes italianos, e não apenas neles mas também no cinema como um todo, bem como na sociedade", afirmou. No momento, o incansável Monicelli está trabalhando num novo roteiro com a amiga Suso Cecchi d'Amico, escritora de alguns dos melhores filmes de Luchino Visconti como O Leopardo e Rocco e seus Irmãos. "O filme conta a história daqueles imigrantes que tiveram enorme influência na composição da estrutura social da Itália", explicou o diretor, complementando: "foram pessoas importantes e que deram uma grande contribuição para a formação econômica, social e cultural do nosso País e deles nós ainda sabemos muito pouco: quem são, como vivem, o que pensam, o que fazem, enfim suas verdadeiras identidades". Ao final, fez questão de nos convidar para a homenagem que receberia à noite na sede do Festival, no enorme Cine Politeama. Lá tivemos oportunidade de ouvir Monicelli, no discurso de agradecimento, dar mais uma pista para a discussão se nasceu - ou não - em Viareggio: "está é mais uma vez que esta cidade me recebe como um filho", disse com um sorriso enigmático.