Marco Bellocchio, a contestação através do cinema

Carlos Augusto Brandão, especial para Italiamiga

O diretor Marco BellocchioO cineasta italiano Marco Bellocchio está lançando seu novo filme "A Hora da Religião" (L'Ora di Religione) mais uma obra que segue a linha que caracteriza a carreira do controvertido diretor. Iniciando no cinema muito novo, com a idade de 21 anos, com La Colpa e La Pena , Bellocchio teve reconhecimento internacional em 1965 com o hoje clássico De Punhos Cerrados (I Pugni in Tasca) , um filme fortíssimo que, entre outras considerações, questionava a autoridade familiar. Outras obras do diretor continuaram pontuando sua carreira sempre voltada para o questionamento e a rebeldia contra instituições estabelecidas, regras e dogmas. Foi assim que Bellocchio assinou Em Nome do Padre (1970), sobre o universo repressor de um colégio de jesuítas; Marcia Trionfale (1977) uma denúncia contra práticas do Exército; Sbatti il Mostro in Prima Pagina , sobre abuso do poder da imprensa; Enrique IV, em que Marcello Mastroianni vive num mundo medieval imaginário; e o audacioso Diabo no Corpo, sobre o arrependimento e a reintegração, baseado na obra do escritor Radiguet. Agora, com A Hora da Religião , Bellocchio se volta contra a instituição da Igreja questionando seu funcionamento e a deturpação de valores de muitos de seus membros. No filme, Sergio Castellito interpreta um pintor brilhante que é convocado para testemunhar no processo de canonização de sua mãe que tinha sido assassinada por um dos seus irmãos , doente mental. O artista vê no fato uma conspiração para sua conversão. A partir daí Bellocchio, num misto de thriller de suspense e elementos de psicanálise, leva o personagem a uma profunda depressão agravada pela crise na carreira e na sua vida familiar. Ao longo da trama, o pintor faz uma espécie de acerto de contas com a família, as mulheres , com a fé (seu filho pequeno é um devoto fiel) e com a arte. Mas o alvo principal de Bellocchio é a igreja e a congregação de alguns de seus membros. O processo de beatificação é tratado pela família como uma maneira de resgatar as honrarias que ela perdeu com o passar dos anos. Numa forma de tentar convencer o pintor a prestar o testemunho, uma de suas tias argumenta: "suas pinturas vão valer muito mais se sua mãe se tornar uma santa", diz ela. O filme de Bellocchio é também chamado O Sorriso de Minha Mãe (Il Sorriso di Mia Madre). Isto porque o pintor, filho da candidata à santificação, tem a mesma forma do sorriso dela. Na entrevista de apresentação, Bellocchio explicou que teve a intenção de fazer o filme quando dava um curso de cinema em Bobbio. No encerramento do trabalho, o tema escolhido foi a história de uma mãe, tratada como santa. Desde então, ele começou a conceber o roteiro que resultou no A Hora da Religião. A Igreja Católica chegou a enviar uma carta de protesto aos organizadores do Festival de Cannes, onde o filme concorreu à Palma de Ouro na última edição do evento. A carta enviada por um clérigo acusa Bellocchio de não respeitar a religião e lamenta a contestação que é manifestada ao longo do filme. Bellochio , de 63 anos, é um dos últimos remanescentes da escola neo-realista italiana, ao lado do veterano Bernardo Bertolucci, que também continua em atividade e teve sua obra mais famosa O Último Tango em Paris, recentemente restaurada e relançada nos cinemas.