O cineasta italiano Marco Bellocchio está lançando seu novo filme "A
Hora da Religião" (L'Ora di Religione) mais uma obra que segue a linha que
caracteriza a carreira do controvertido diretor. Iniciando no cinema muito novo,
com a idade de 21 anos, com La Colpa e La Pena , Bellocchio teve reconhecimento
internacional em 1965 com o hoje clássico De Punhos Cerrados (I Pugni in
Tasca) , um filme fortíssimo que, entre outras considerações,
questionava a autoridade familiar. Outras obras do diretor continuaram pontuando
sua carreira sempre voltada para o questionamento e a rebeldia contra
instituições estabelecidas, regras e dogmas. Foi assim que Bellocchio assinou Em
Nome do Padre (1970), sobre o universo repressor de um colégio de
jesuítas; Marcia Trionfale (1977) uma denúncia contra práticas
do Exército; Sbatti il Mostro in Prima Pagina , sobre abuso do
poder da imprensa; Enrique IV, em que Marcello Mastroianni vive num mundo
medieval imaginário; e o audacioso Diabo no Corpo, sobre o arrependimento e a
reintegração, baseado na obra do escritor Radiguet. Agora, com A Hora da
Religião , Bellocchio se volta contra a instituição da Igreja
questionando seu funcionamento e a deturpação de valores de muitos de seus
membros. No filme, Sergio Castellito interpreta um pintor brilhante que é
convocado para testemunhar no processo de canonização de sua mãe que tinha
sido assassinada por um dos seus irmãos , doente mental. O artista vê no fato
uma conspiração para sua conversão. A partir daí Bellocchio, num misto de
thriller de suspense e elementos de psicanálise, leva o personagem a uma
profunda depressão agravada pela crise na carreira e na sua vida familiar. Ao
longo da trama, o pintor faz uma espécie de acerto de contas com a família, as
mulheres , com a fé (seu filho pequeno é um devoto fiel) e com a arte. Mas o
alvo principal de Bellocchio é a igreja e a congregação de alguns de seus
membros. O processo de beatificação é tratado pela família como uma maneira
de resgatar as honrarias que ela perdeu com o passar dos anos. Numa forma de
tentar convencer o pintor a prestar o testemunho, uma de suas tias argumenta:
"suas pinturas vão valer muito mais se sua mãe se tornar uma santa",
diz ela. O filme de Bellocchio é também chamado O Sorriso de Minha Mãe
(Il Sorriso di Mia Madre). Isto porque o pintor, filho da
candidata à santificação, tem a mesma forma do sorriso dela. Na entrevista de
apresentação, Bellocchio explicou que teve a intenção de fazer o filme
quando dava um curso de cinema em Bobbio. No encerramento do trabalho, o tema
escolhido foi a história de uma mãe, tratada como santa. Desde então, ele
começou a conceber o roteiro que resultou no A Hora da Religião. A Igreja
Católica chegou a enviar uma carta de protesto aos organizadores do Festival de
Cannes, onde o filme concorreu à Palma de Ouro na última edição do evento. A
carta enviada por um clérigo acusa Bellocchio de não respeitar a religião e
lamenta a contestação que é manifestada ao longo do filme. Bellochio , de 63
anos, é um dos últimos remanescentes da escola neo-realista italiana, ao lado
do veterano Bernardo Bertolucci, que também continua em atividade e teve sua
obra mais famosa O Último Tango em Paris, recentemente restaurada e
relançada nos cinemas.