O
Leopardo , um dos marcos da brilhante carreira do diretor italiano Luchino
Visconti, está completando 40 anos : em 1963 o famoso livro II Gattopardo,
de Giuseppe Tomasi di Lampadusa, foi eternizado pelo cinema em um dos seus
momentos mais importantes. Além de O Leopardo , Visconti realizou outras
obras importantíssimas como Rocco e seus Irmãos, Morte em Veneza,
Violência e Paixão , além de Obsessão, todos incluídos entre os
clássicos do cinema universal.. O épico político-histórico O Leopardo
resiste ao tempo e mantém intacta a sua atualidade, mostrando nos seus 205
minutos de duração fatos e acontecimentos facilmente encontráveis nos dias de
hoje. O filme tem como pano de fundo a história da Sicília centrada no século
19, quando era dominada pelo ramo espanhol dos Bourbons. O Príncipe de Salina
Don Fabrizio (Burt Lancaster, no papel que o consagrou) começa a perceber que a
atuação de Garibaldi iria alterar de forma inexorável a estrutura de poder
então dominante na Sicília e na aristocracia local. Quando acontece o
desembarque na Sicília de cerca de mil voluntários garibaldinos e a ameaça se
torna iminente, Tancredi (Alain Delon), sobrinho do príncipe, sussurra para ele
a fórmula mágica: "se quisermos que tudo continue como está, é
preciso que tudo mude". Assim, ele também participa da luta pela
unificação da Itália , garante a continuidade da influência da família no
poder e ao mesmo tempo a sua própria sobrevivência social , casando-se com a
filha (Claudia Cardinale) do latifundiário local. Era a velha aristocracia
aliando-se à força ascendente da nova época: a burguesia. Visconti retrata
com fidelidade os antecedentes que geraram a decadência da nobreza siciliana e
sua adaptação aos novos tempos. Afinal, ele mesmo era descendente da
aristocracia lombarda: sua família dominou Milão durante 170 anos, nos
séculos 13 e 14. Foi nessa cidade da Lombardia que ele nasceu em 02.11.1906,
filho do agente teatral Giuseppe Visconti e de Carla Erba, a herdeira dos
Laboratórios Erba. No início de sua vida, só se interessava por corridas de
cavalos. Mas no começo da década de 30 ele conheceu o grande diretor francês
Jean Renoir , que o convidou para ser seu assistente em vários filmes e
despertou nele o interesse definitivo pelo cinema. De volta à Itália, Visconti
realizou Ossessione em 1942 - baseado no romance The Postman Always
Rings Twice, de James Cain , o filme é considerado o principal precursor do
movimento neo-realista - dando o início real a uma carreira brilhante no cinema
. Sua atividade nas artes também incluiu um grande envolvimento com a
produção teatral e de óperas, muitas em espetáculos inesquecíveis com Maria
Callas no Scala. O teatro e a ópera certamente tiveram uma grande influência
no seu estilo cinematográfico, o que pode ser observado em muitas
características de sua obra. Entre tantos trabalhos memoráveis, O Leopardo
se destaca em sua filmografia por ser também uma das obras esteticamente mais
bem realizadas do cinema , valorizada pela excelente direção de arte, pelos
ótimos desempenhos dos atores principais e pela perfeita trilha sonora dirigida
por Nino Rota . A trilha contem uma valsa inédita de Giuseppe Verdi, na cena em
que o príncipe dança com Angélica, a personagem de Cláudia Cardinale. A bela
fotografia de Giuseppe Rotunno (que também fotografou Amarcord e O
Show deve Continuar) retrata imagens deslumbrantes da Sicília e os
opulentos interiores do Palácio Gangi San Lorenzo, cenário de inúmeras
seqüências do filme. O grande diretor italiano morreu em março de 1976, aos
70 anos. Seus problemas de saúde, no entanto, começaram bem antes, em 72 ,
quando estava filmando Ludwig. Teve um enfarte durante os trabalhos e,
posteriormente, muitos aborrecimentos devido a conflitos com os produtores que
reduziram o filme para uma versão comercial. Tudo isso deve ter contribuído,
sem dúvida, para agravar seu estado físico, já bastante abalado. Em 80, num
reconhecimento ao grande mérito do diretor lombardo, um esforço conjunto de
atores e roteiristas possibilitou que a cópia completa de Ludwig, com quatro
horas de duração , fosse relançada internacionalmente . Visconti não
conseguiu realizar seu sonho de adaptar para as telas Em Busca do Tempo
Perdido, de Marcel Proust. Considerado um dos livros mais difíceis de serem
adaptados , a obra teve recentemente seu lançamento no cinema no filme O
Tempo Redescoberto, do chileno, radicado na França, Raul Ruiz. Mas, se
Visconti o tivesse filmado - ele chegou a escrever o roteiro - provavelmente nos
teria brindado com mais um clássico entre os muitos de sua carreira, na qual O
Leopardo é certamente um marco inesquecível.