Com
ele havíamos estado - Antonio Olinto e eu - várias vezes, primeiro no Rio de
Janeiro, em 1958, quando Graham Greene participou do Congresso Internacional de
Escritores do PEN, depois, já morando em Londres, em encontros literários
promovidos por sua editora inglesa. A entrevista agora registrada ocorreu em
dezembro de 1973 por ocasião do lançamento de "The honorary consul",
em que o romancista inglês, então residindo em Nice, no Sul da França,
aceitou convite da Foreign Press Association para um almoço. A coisa deu-se no
Pall Mall, sentei-me ao lado de Greene, havia gente de todos os sotaques nas
três mesas longas ao redor. Os dois últimos livros do convidado haviam tido
por ambiente a América do Sul. "The honorary cônsul", a Argentina,
perto da fronteira com o Paraguai, "Travels with my aunt" tivera sua
ação final em plena Assunção. Minha primeira pergunta foi, por isso, a
respeito de uma "guinada" na sua obra.
ZS: Depois de suas histórias passadas na Europa, no Oriente e em mais de
uma região da África, por que essa guinada para a América do Sul?
GG: Guinada? Não foi propriamente uma guinada. Há muitos anos que não me
sinto bem escrevendo sobre a Inglaterra. Sou hoje tão pouco inglês que nem eu
entendo o que houve. Acostumei-me a colocar meus personagens no Vietnã, em
Cuba, na África Ocidental, agora na América do Sul, creio que os sentimentos
essenciais do homem - amor, ódio, senso de justiça, lealdade, defesa dos
oprimidos e perseguidos - são hoje mais facilmente vistos em lugares ainda não
inteiramente tomados pela desumanização industrial. Contudo, repare que meus
personagens principais são quase sempre ingleses. É como estivesse tentando
ver-me em contato com outros mundos . Isso não quer dizer que o Dr. Plarr, de
"The honorary Cônsul", seja uma projeção minha. Pelo menos não o
é totalmente. Eu também poderia encontrar no cônsul Fortnum uma contrapartida
minha, mas a verdade é que o autor aproveita-se de si mesmo como ponto de
partida para analisar sentimentos e sensações, embora dificilmente se retrate
por inteiro.
ZS: Por que e América Espanhola e não a América Portuguesa?
GG: Foi por causa do espírito de machismo da primeira. O machismo é o mesmo
tempo ridículo e trágico. E me parece que toda a história da América de
"habla" espanhola está cheia de lances de machismo. Já o Brasil me
amedronta. O Brasil é sério demais. Depois de uma pausa: Sim há países
engraçados. Há países cômicos. O Brasil não é um deles: o Brasil sério. E
é curioso que o sério e o senso de humor se unem. Só um país sério costuma
ter um alto e desenvolvido senso de humor. Como a Inglaterra. Como o Brasil.
Outros países jovens têm, sim, uma ingenuidade que se apega a fórmulas.
Graham Greene olhou um pedaço do parque, através da janela, e concluiu,
repetindo: - O Brasil é sério.
ZS: Acha que "The honorary consul"está entre seus melhores
romances?
GG: Melhor é uma palavra difícil. Mas é, sem dúvida, um de meus romances de
que mais gosto. "O coração da matéria"? Não. Não sei porque, hoje
quase detesto "O coração da matéria", e detesto Scobie, quando
tanta gente pensou encontrar-me na pele desse pobre personagem. Gosto de "O
poder e a glória", gosto de "The Brighton Rock", talvez o mais
inglês de meus romances, gosto de parte do "The end of the affair".
ZS: Como se escreve um romance?
GG: No meu caso, há muito que procuro definir a coisa, e não o consigo. Para
mim, é como o decolar de um avião. Muitas vezes começo a escrever um romance
e, lá pela página trinta, descubro que ainda não estou no chão: não
decolei. A coisa ainda não é irreversível. De repente, porém, sinto que
estou no ar, e aí tenho de ir até o fim. Em "The honorary cônsul"
reescrevi umas quarto vezes o começo. Vi que não ia decolar se continuasse no
tom inicial, tive de reescrever tudo. Foi um romance sofrido.
ZS: Por que nos seus romances, os oprimidos são sempre defendidos?
GG: Não há por que. Acho que o romancista tem a obrigação de defender os
oprimidos. Por mim, fico sempre no lado da vítima.
ZS: Acha que a vítima tem sempre razão? E se a vítima estiver errada,
não será uma injustiça ao contrário?
GG: Prefiro não entrar em detalhes sobre se a vítima tem ou não razão. Se é
vítima, estou com ela. E sou também capaz de mudar de posição se descobrir
que a vítima está, afinal, defendida por todos, e de repente o que me parecia
ser o perseguidor é que é a vítima. Em mim este sentimento é instintivo.
Daí, se fizesse política, apoiaria sempre a oposição.
ZS: Por que detesta Londres?
GG: Sim, detesto Londres. Pelo menos a Londres de hoje (e apontou para a
escuridão que começava a se formar lá fora). Como viver numa cidade triste
como esta? E depois não perdôo o desaparecimento da minha Londres, da Londres
com as ruas perto da Estação Vitória, com prédios antigos. Desvirtuaram a
cidade, hoje prefiro viver no Sul da França, em Nice. Pelo menos lá posso
tirar o máximo de minha solidão, afinal o homem é mesmo solitário, e na
França me deixam em paz comigo mesmo.
ZS: Tem algum romance novo em mente?
GG: Que outros romances poderei eu fazer ainda? Estou chegando aos setenta anos,
e a velhice é uma coisa desagradável. Talvez não escreva mais, embora isso me
assuste. Talvez escreva. Talvez haja mais oprimidos no mundo, e o romance pode
ser uma denúncia. Confesso, porém, que nem sempre é o espírito de denúncia
que me empurra para a frente. Muitas vezes é um sentimento que não consigo
analisar e que me faz escrever como outros bebem água.