Graham Greene: O Brasil é um País sério

Por Zora Seljan - Jornal de Letras de Janeiro de 2002

O escritor Graham GreeneCom ele havíamos estado - Antonio Olinto e eu - várias vezes, primeiro no Rio de Janeiro, em 1958, quando Graham Greene participou do Congresso Internacional de Escritores do PEN, depois, já morando em Londres, em encontros literários promovidos por sua editora inglesa. A entrevista agora registrada ocorreu em dezembro de 1973 por ocasião do lançamento de "The honorary consul", em que o romancista inglês, então residindo em Nice, no Sul da França, aceitou convite da Foreign Press Association para um almoço. A coisa deu-se no Pall Mall, sentei-me ao lado de Greene, havia gente de todos os sotaques nas três mesas longas ao redor. Os dois últimos livros do convidado haviam tido por ambiente a América do Sul. "The honorary cônsul", a Argentina, perto da fronteira com o Paraguai, "Travels with my aunt" tivera sua ação final em plena Assunção. Minha primeira pergunta foi, por isso, a respeito de uma "guinada" na sua obra.

ZS: Depois de suas histórias passadas na Europa, no Oriente e em mais de uma região da África, por que essa guinada para a América do Sul?
GG: Guinada? Não foi propriamente uma guinada. Há muitos anos que não me sinto bem escrevendo sobre a Inglaterra. Sou hoje tão pouco inglês que nem eu entendo o que houve. Acostumei-me a colocar meus personagens no Vietnã, em Cuba, na África Ocidental, agora na América do Sul, creio que os sentimentos essenciais do homem - amor, ódio, senso de justiça, lealdade, defesa dos oprimidos e perseguidos - são hoje mais facilmente vistos em lugares ainda não inteiramente tomados pela desumanização industrial. Contudo, repare que meus personagens principais são quase sempre ingleses. É como estivesse tentando ver-me em contato com outros mundos . Isso não quer dizer que o Dr. Plarr, de "The honorary Cônsul", seja uma projeção minha. Pelo menos não o é totalmente. Eu também poderia encontrar no cônsul Fortnum uma contrapartida minha, mas a verdade é que o autor aproveita-se de si mesmo como ponto de partida para analisar sentimentos e sensações, embora dificilmente se retrate por inteiro.

ZS: Por que e América Espanhola e não a América Portuguesa?
GG: Foi por causa do espírito de machismo da primeira. O machismo é o mesmo tempo ridículo e trágico. E me parece que toda a história da América de "habla" espanhola está cheia de lances de machismo. Já o Brasil me amedronta. O Brasil é sério demais. Depois de uma pausa: Sim há países engraçados. Há países cômicos. O Brasil não é um deles: o Brasil sério. E é curioso que o sério e o senso de humor se unem. Só um país sério costuma ter um alto e desenvolvido senso de humor. Como a Inglaterra. Como o Brasil. Outros países jovens têm, sim, uma ingenuidade que se apega a fórmulas. Graham Greene olhou um pedaço do parque, através da janela, e concluiu, repetindo: - O Brasil é sério.

ZS: Acha que "The honorary consul"está entre seus melhores romances?
GG: Melhor é uma palavra difícil. Mas é, sem dúvida, um de meus romances de que mais gosto. "O coração da matéria"? Não. Não sei porque, hoje quase detesto "O coração da matéria", e detesto Scobie, quando tanta gente pensou encontrar-me na pele desse pobre personagem. Gosto de "O poder e a glória", gosto de "The Brighton Rock", talvez o mais inglês de meus romances, gosto de parte do "The end of the affair".

ZS: Como se escreve um romance?
GG: No meu caso, há muito que procuro definir a coisa, e não o consigo. Para mim, é como o decolar de um avião. Muitas vezes começo a escrever um romance e, lá pela página trinta, descubro que ainda não estou no chão: não decolei. A coisa ainda não é irreversível. De repente, porém, sinto que estou no ar, e aí tenho de ir até o fim. Em "The honorary cônsul" reescrevi umas quarto vezes o começo. Vi que não ia decolar se continuasse no tom inicial, tive de reescrever tudo. Foi um romance sofrido.

ZS: Por que nos seus romances, os oprimidos são sempre defendidos?
GG: Não há por que. Acho que o romancista tem a obrigação de defender os oprimidos. Por mim, fico sempre no lado da vítima.

ZS: Acha que a vítima tem sempre razão? E se a vítima estiver errada, não será uma injustiça ao contrário?
GG: Prefiro não entrar em detalhes sobre se a vítima tem ou não razão. Se é vítima, estou com ela. E sou também capaz de mudar de posição se descobrir que a vítima está, afinal, defendida por todos, e de repente o que me parecia ser o perseguidor é que é a vítima. Em mim este sentimento é instintivo. Daí, se fizesse política, apoiaria sempre a oposição.

ZS: Por que detesta Londres?
GG: Sim, detesto Londres. Pelo menos a Londres de hoje (e apontou para a escuridão que começava a se formar lá fora). Como viver numa cidade triste como esta? E depois não perdôo o desaparecimento da minha Londres, da Londres com as ruas perto da Estação Vitória, com prédios antigos. Desvirtuaram a cidade, hoje prefiro viver no Sul da França, em Nice. Pelo menos lá posso tirar o máximo de minha solidão, afinal o homem é mesmo solitário, e na França me deixam em paz comigo mesmo.

ZS: Tem algum romance novo em mente?
GG: Que outros romances poderei eu fazer ainda? Estou chegando aos setenta anos, e a velhice é uma coisa desagradável. Talvez não escreva mais, embora isso me assuste. Talvez escreva. Talvez haja mais oprimidos no mundo, e o romance pode ser uma denúncia. Confesso, porém, que nem sempre é o espírito de denúncia que me empurra para a frente. Muitas vezes é um sentimento que não consigo analisar e que me faz escrever como outros bebem água.