Poeta
do gesto e do olhar, desvelava ambigüidade, graças escondidas, sofisticado
erotismo. Aprazimento estético, complacente com a sua natureza apaixonada e
revolucionária de pintor maldito. A cidade de Parma lembrará seu maior
artista, Francesco Mazzola, dito o Parmigianino, na ocasião do qüingentésimo
aniversário de nascimento, com uma série de importantes encontros e com a
primeira grandiosa exposição de amplitude internacional, sob o título de "Parmigianino
e o maneirismo europeu". Até o dia 15 de maio podem ser admirados na "Galleria
Nazionale" de Parma, telas, pinturas, desenhos, incisões, documentos
autógrafos, objetos (medalhas, vasos, relógios solares, moedas, jóias, copas,
camafeus e vasos de lápis-lázulis...), além do célebre "Auto-retrato ao
espelho", com o qual se apresentou ao Papa Clemente VII para demonstrar,
talvez com muito atrevimento, sua perícia na pintura. Seu sonho? Tomar,
em Roma, o lugar do amado Rafael, êmulo, mestre de extraordinária graça e sedução.
Francesco Mazzola nasceu em 1503, companheiro de aventura de artistas
extravagantes como Pontorno, Rosso Fiorentino, Primaticcio (que depois se foram
para a corte de Francisco I em Fontainebleau) e sendo crescido à sombra de seu
conterrâneo, Correggio. Com eles compartilhou a irrequietude experimental e o
insofrimento para com os cânones estéticos de beleza que se afirmaram no
início do Quinhentos. «O Parmigianino, como escreve o prof. Antonio Pinelli,
destilou um cânon de beleza mais sofisticado, que bem se adaptava à vida de
corte neo-feudal, esta que amava espelhar-se narcisisticamente na gélida couraça do
próprio modo de ser elite». A diretora do Comitê Científico da
Exposição, Lucia Fornari Stanchi, destaca: « As Madonne
do
Parmigianino? Top model. Rosto pequeno, pescoço comprido, membros
flexuosos, postura destacada, às vezes soberba, olhar cúmplice, sensual,
equívoco... Uma beleza mental, elegante, freqüentemente ambígua. Se a arte de
Correggio
era táctil, carnal, humano, a de Parmigianino, ao contrário, é etérea» Sobre a vida
do Parmigianino muito foi falado e escrito. Restam as interrogações, os
mistérios de uma existência consagrada ao trabalho, à pesquisa, à
experimentação. Em 1524 o encontramos em Roma, feliz, excitado e eufórico.
Teve que fugir antes que os lanzichenecchi (os lansquenês, mercenários que
conquistaram Roma naquele tempo) colocassem a cidade a ferro e fogo. Vittorio
Sgarbi, o famoso crítico de arte e autor de um livro sobre o Parmigianino,
conta uma curiosa anedota, que as crônicas nos transmitiram pelos séculos.
Durante o saqueio de Roma, Parmigianino continuou a pintar, apesar do fragor
da batalha e das violências do exército alemão que invadiam a cidade. Como
escreve Vasari, alguns soldados, vendo-o trabalhar, ficaram tão extasiados com
aquela
obra que, como apreciadores das artes, o deixaram continuar a pintar... Orfeu
que amestra as feras, lembra Sgarbi. Um evento, este, que tem o sabor da lenda e
que dá testemunho da grandeza do homem e do carisma do gênio pictórico.
Sempre fugindo da vida, da sua obra e dos homens. «Lindo, rico, culto, músico,
Parmigianino representa o ícone de um gosto cortês e imperial, sem igual. Sua
grandeur é similar à de Rafael - explica Sgarbi, presidente do Comitê para as
Celebrações do Parmigianino - Um pintor que as crônicas descrevem "de
aspecto muito gracioso e, talvez, mais aspecto de anjo que de homem", que a
distância
de
séculos nos coloca de frente a interrogativos inquietantes. Sua ambigüidade,
por exemplo, com uma personalidade similar àquela de Oscar Wilde, pela sua
absoluta modernidade de estilo e de pensamento, ligada a uma estética
pictórica que investiga através de vultos mulíebres, de fascínio absoluto,
dimensões que podem pertencer a um terceiro sexo. Nem masculino, nem feminino».
Em seu ensaio, o professor Sgarbi indaga sobre a suposta paixão para a alquimia
que levará Parmigianino, cansado, doente, talvez louco, até a morte que o
alcançou com 37 anos de idade. «A paixão pela alquimia? - se questiona Sgarbi
- Um suplício, uma inquietude, um estado de ânimo dramaticamente
contemporâneo, que nada tem a ver com a busca da pedra filosofal». «Para
Parmigianino a alquimia representava um sistema de pensamento, um método, um
estilo pictórico que buscava, na arte, uma forma de imortalidade. O pintor se divertia,
não por acaso, a procurar novas soluções perspécticas, a brincar com as
arquiteturas e os espaços, às vezes deformados pelos espelhos, por enganos
óticos o ilusionismos visivos, como tinha acontecido no seu "Auto-retrato ao
espelho". Este quadro, de uma beleza singular e complacente, quase femínea,
se parece com o "Retrato de Dorian Gray" de Oscar Wilde». A partir do dia
4 de junho, a Mostra deixará Parma para lustrar o Kunstistorische Museum de Viena, onde
permanecera até o dia 14 de setembro.