Fuentes e a Latinidade

Arnaldo Niskier da Academia Brasileira de Letras

Carlos FuentesO escritor mexicano Carlos Fuentes, autor de “A morte de Artemio Cruz”, recebeu na Academia Brasileira de Letras o I Prêmio da Latinidade, instituído numa parceira com a Academia Francesa, e destinado a quem, pelo conjunto de sua obra, tenha contribuído de modo decisivo para o aperfeiçoamento da civilização latina.

Na solenidade de entrega, prestigiada por três presidentes da República (Fernando Henrique Cardoso, Jacques Chirac e Ernesto Zedillo, este do México) ele criticou o fato de vivermos uma época de grande intolerância: “Falta respeitar as diversidades sexuais, políticas, ideológicas, raciais. Temos que desenvolver uma cultura da tolerância.” Foi aplaudido de pé.

Ao lado da esposa Sílvia, apresentadora da TV Cultura do México, Fuentes conclamou os países da América Latina a acolher a diversidade. “Esse é o nosso maior desafio.” Falta muito progredir nesse campo do respeito às idéias do politicamente diferente. A nossa identidade, de todo modo, é muito poderosa.

Segundo o escritor mexicano, vivemos o pior século da história: “Nunca havia ocorrido um progresso técnico e científico tão grande nem uma barbárie, um atraso moral e político tão grandes, como provam ditadores como Hítler e Stálin. Se seguirmos por esse caminho, vamos ter um século 21 pior do que o século 20.” E o intelectual vitorioso, editado no Brasil por Paulo Rocco, completou o seu pensamento com uma condenação: “Não devemos permitir nenhum monopólio. Nem do comércio, nem da cultura.”

Em seguida, ele falou da latinidade, que lhe trouxe o prêmio da consagração, uma escultura de Calabrone, um diploma e 80 mil euros: “A latinidade, em todas as suas manifestações - a européia e a americana – somente se constrói como civilização que inclui, jamais excludente. Abrangente, jamais restritiva... Por isso penso que a latinidade do futuro, uma vez afirmada e acertada a unidade de suas identidades, será a nau capitânea – a caravela com passagem de ida e volta de um século 21 que será mestiço e migratório.”

E com a aprovação silenciosa dos três presidentes da República, sentados no salão nobre do Petit Trianon, Fuentes foi ainda mais político: “A melhor defesa contra a limpeza étnica, a xenofobia e o racismo que a todos nos ameaçam e colocam em dúvida a possibilidade de uma nova ordem internacional é a abertura ao diverso, é admitir que uma cultura morre no isolamento, mas se fortalece no contato com outras culturas.”

O autor de um termo consagrado (narravida) dispôs-se a celebrar as virtualidades da latinidade, incluindo naturalmente, a Itália, os nossos 500 anos, ele que criança morou no Brasil com o pai diplomata, coordenando um trabalho de escritores hispano-americanos sobre a efeméride: “Vocês têm um dos mais extraordinários países do mundo, em todos os sentidos, inclusive a beleza. Devemos celebrar os seus 500 anos, exaltando a forma de vida democrática do povo brasileiro e as grandes conquistas.”