Dez anos sem Fellini

Carlos Augusto Brandão, especial para a Italiamiga

Federico FelliniHá dez anos, o cinema perdia Federico Fellini, um dos nomes mais importantes de toda a sua história. Fellini nasceu em 20 de janeiro de 1920 em Rimini, Itália, e morreu em 1993. Sua obra, no entanto, continua cada vez mais viva. Graças à colocação recente em DVD de muitos de seus filmes, as novas gerações estão podendo ter acesso a esse genial diretor, dono de um estilo único que levou seu nome a se tornar um adjetivo: felliniano passou a caracterizar qualquer trabalho (e até alguns aspectos físicos de pessoas) que inclua ou lembre elementos de seus filmes.

Federico Fellini começou sua carreira como jornalista, passando a roteirista quando se ligou a Rossellini e com ele trabalhou em vários projetos. O seu primeiro filme como diretor foi Mulheres e Luzes, co-dirigido com Alberto Lattuada em 50 ; mas seu primeiro trabalho sozinho foi Abismo de um Sonho (Lo Seicco Bianco) em 52, um filme com inspiração explicitamente neo-realista, com o ótimo Alberto Sordi interpretando um herói de fotonovela. No ano seguinte, o diretor realizou o hoje clássico Os Boas-Vidas (I Vitelloni), seu primeiro grande sucesso e que iniciou também a belíssima parceria que teria na maior parte de sua obra com o compositor Nino Rota. Em 54, Fellini apresentou ao mundo uma de suas obras primas - A Estrada da Vida. Com personagens inesquecíveis de Anthony Quinn e Giulietta Masina, o filme narra a saga extraordinária de dois saltibancos atravessando a Itália.

Noites de Cabíria de 57, estrelado também por Giulietta Masina contracenando com o sardo Amedeo Nazzari, é uma história tocante sobre uma prostituta, seus sonhos, suas ilusões e desilusões. Cabíria vivia sonhando que um dia iria encontrar um príncipe encantado - na verdade, um homem que a tirasse daquela vida - mas, na realidade, continuava vivendo na marginalidade e cercada de gigolôs. O filme foi restaurado em 1998 e a restauração incluiu uma cena que tinha sido cortada da versão original. É uma seqüência brilhante, quando a prostituta Cabíria encontra um homem que dedica sua vida a ajudar os pobres da cidade. Essa cena havia sido censurada na época a pedido da Igreja Católica e até então somente tinha sido exibida na sessão de estréia no Festival de Cannes. A Doce Vida, de 60, outra obra prima do diretor, narra a história de um jornalista de origem humilde que consegue entrar no mundo da alta sociedade romana, passa a freqüentar lugares sofisticados e ao mesmo tempo começa a se dar conta da fragilidade dos valores daquela burguesia. Além de fazer uma análise crítica da falsidade das relações entre o estado e o catolicismo, o filme ficou famoso pela cena em que Anita Eckberg se banha na Fontana di Trevi, pelo desempenho inesquecível de Marcello Mastroianni e também pela música marcante de Nino Rota.

Dois anos depois, em 62, Fellini realizou Boccaccio 70, um filme em episódios. É outra obra com a música de Nino Rota, que logo depois fez a trilha para Oito e Meio, que muitos críticos consideram o maior trabalho de Fellini. Na verdade, a partir de Oito e Meio, de 63, o célebre diretor começou a colocar em seus filmes muito de sua vida, suas memórias e suas lembranças de infância. Oito e Meio é quase totalmente autobiográfico e reúne várias lembranças da vida de Fellini. A cena final é memorável, com o monólogo que se funde com todos os personagens se movendo num picadeiro ao som da música do genial Nino Rota. Julieta dos Espíritos, de 65, com outra interpretação fantástica de Giulietta Masina, conta a história de uma mulher que, descobrindo a traição de seu marido, passa a levar uma vida liberta dos fantasmas que a torturavam. A obra de Fellini é riquíssima e quase todos os seus filmes se tornaram clássicos, como Satyricon em 69 e Amarcord em 73. Amarcord - "eu me lembro", no dialeto da Emilia Romanha , onde fica Rimini - é um filme que se passa na década de 30, numa pequena cidade da Itália já dominada pelo fascismo. Várias histórias vão se cruzar com as histórias de uma família em vários momentos de suas vidas. Nesse filme, Fellini sintetiza as emoções da sua juventude, criando personagens memoráveis inspirados em lembranças de sua infância e embalados pela música nostálgica de Nino Rota. Em 76, o diretor realizou Casanova, a história de um jovem nobre veneziano obcecado por si próprio e em 79 fez um filme que até hoje muito cultuado - Ensaio de Orquestra - que passou também a ser utilizado em estudos sobre comando, ou como ele deve ser exercido. Em Ginger e Fred, de 86, Fellini homenageou, numa evocação nostálgica e tocante, a vida dos velhos artistas. No filme, Giulietta Masina e Marcelo Mastroianni, mais uma vez, dão uma aula de interpretação. Giulietta era casada com Fellini e foi sua companheira até o final da vida do diretor, morrendo cinco meses depois dele. Ela também havia nascido em 1920 e a diferença de idade entre os dois era de apenas um mês.

 A Voz da Lua, de 1990, foi o último filme do maravilhoso Federico Fellini, que deixou seu nome marcado para sempre na história do cinema mundial e, particularmente, no cinema italiano.