O autor do e-mail estava irado: "Como o senhor ainda tem coragem de se declarar católico quando todo mundo sabe que a Igreja foi uma criação de Constantino no século IV?" Meus botões concordaram comigo: "Eis aí mais um ludibriado do Código Da Vinci".
Só fui ler o livro de Dan Brown vários meses depois de a obra formar pilhas que rapidamente se faziam e desfaziam, instaladas no topo das preferências literárias mundiais. Não gostei. O enredo bem faz jus à palavra: verdadeira maçaroca, que o escritor, até as últimas páginas, visivelmente, não sabia como destrançar.
Qualquer leitor atento percebe que Dan Brown, com o intuito de suscitar o interesse do grande público, vai lançando mão e misturando misticismo, ritualismos secretos, enigmas, feminismo, new age e um elenco de ciências ocultas que, sabidamente, mexem com a imaginação de muitas pessoas. Não houvesse, de fato, fascínio por tais temas, Paulo Coelho estaria redigindo horóscopos em algum jornal de aldeia. Mas o melhor enfeite desse bolo de que se compõe o Código Da Vinci é a afirmação de que Cristo não morreu na cruz, teve filhos com Maria Madalena, e o cristianismo se constitui, portanto, numa grande conspiração que atravessa a história.
Para sustentar tal assertiva, que de um lado estrutura a novela e de outro lhe estimula o marketing, o autor não se contenta com lançar mão de invencionices. Faz pior, declarando como fato, na introdução do livro, que o Priorado de Sião foi criado em 1099. Sabe-se, porém, desde 1989, que essa sociedade secreta foi urdida nos anos 60 do século passado como parte de um golpe ensaiado pelo falsário francês Pierre Plantard com o intuito de se legitimar herdeiro do trono da França e ganhar dinheiro nisso. Plantard confessou sua tramóia, em 1993, perante a justiça de seu país. Dan Brown ainda afirma, no mesmo brevíssimo preâmbulo, sob o título "Fatos", que as descrições de obras de arte, arquitetura e documentos mencionados no livro "correspondem rigorosamente à realidade" (are accurated, no original em inglês). É ali, portanto, nas primeiras páginas do Código, que Dan Brown se transforma num completo vigarista, sustentado pela curiosidade de muitos (entre os quais eu mesmo) e pela excessiva ignorância de outros tantos. O sujeito do e-mail fazia parte desse último grupo, o grupo dos que não adquiriram senso crítico para distinguir ficção de realidade e trampolinagem de historiografia séria.
Embora julgue que o uso de elementos históricos como base para criação literária exija um mínimo de veracidade, eu não jogaria o trabalho de Dan Brown no lixo apenas por isso. O problema da obra não está em tecer enredo sobre algo que não é verdadeiro, mas em apresentar como verdadeiro o que é falso. E o livro está repleto de erros e trambiques. Dan Brown, aliás, é um Pierre Plantard que deu certo. Este quis fazer os franceses de bobos. Aquele escreveu um verdadeiro código dos bobos.