Cinema perde Michelangelo Antonioni

Carlos Augusto Brandão para Italiamiga

Michelangelo Antonioni - Da InternetQuando O Passageiro: Profissão Repórter , de Michelangelo Antonioni, foi mostrado em cópia restaurada numa exibição especial no Festival de Nova York, o evento teve uma das mais concorridas sessões daquela edição. Estrelado por Jack Nicholson num desempenho memorável, o filme segue um repórter descontente com a profissão e seu casamento. Numa viagem a trabalho, ele se hospeda num hotel localizado em algum lugar do Saara, onde um inglês parecido com ele morre no quarto ao lado. Buscando dar um outro rumo à sua vida, ele decide trocar a sua identidade com a do morto. Mas a situação toma um rumo inesperado, já que o morto tinha comprometedoras relações políticas que agora passarão a ser suas. Fazendo perfeito uso das paisagens desérticas e poeirentas das locações, bem como da excelente fotografia, Antonioni transforma uma história aparentemente simples, numa reflexão sobre a alma humana e o destino, mostrando que o ser humano é o resultado das escolhas que faz. Com total domínio total da imagem, Antonioni utiliza movimentos de câmera extremamente inovadores para os recursos da época. Aliás, essa é uma característica do diretor italiano, que nunca fez as coisas de maneira convencional. Antonioni - que nasceu em Ferrara, no norte da Itália, em 29 de setembro de 1912, no seio de uma família burguesa - morreu ontem em Roma aos 94 anos. Considerado o cineasta da incomunicabilidade e do desencontro, ele soube exprimir as angústias da sociedade contemporânea. Seus personagens são inseguros, dominados pelo tédio e têm impulsos no sentido da autodestruição. "O drama do nosso século é a incomunicabilidade , mas não tenho a pretensão de encontrar uma solução", disse certa vez numa entrevista o cineasta, que custou a receber da crítica a consagração que sua obra extremamente peculiar merece. Seu ritmo lento contribuiu para que tivesse dificuldades com o grande público e os críticos nem sempre se identificaram de imediato com seus filmes. Foi vaiado em Cannes quando apresentou em 1959 o seu hoje clássico A Aventura, filme que só foi entendido e reconhecido pela crítica anos mais tarde. O filme faz parte da trilogia que ele realizou com sua musa e então mulher Monica Vitti e que se completou com A Noite (Urso de Ouro em Berlim 60) e O Eclipse. Com um olhar estrangeiro, retratou como ninguém a Londres contemporânea em Blow-up - que lhe deu a Palma de Ouro em Cannes - e a América dos hippies no filme Zabrieskie Point. Formado em Economia e Comércio em Bolonha - a cidade mais intelectualizada da Itália - Antonioni foi crítico e roteirista. Conhecido como o poeta do tédio, mesmo assim é inegável a influência que teve em toda uma geração de novos diretores, tanto na Itália quanto fora dela. Num reconhecimento ao conjunto de sua obra, ganhou um Oscar especial da Academia em 1984. O cineasta, infelizmente, estava agora praticamente inválido. Após um derrame que lhe roubou a voz, seu último filme Além das Nuvens só pode ser terminado porque Wim Wenders se propôs a ajudá-lo. Mesmo assim, o diretor alemão teve a humildade de se colocar sob a supervisão de Antonioni, seguindo fielmente seu roteiro e suas idéias. Apesar do ritmo lento de seus filmes, com planos longos e fixos, ter contribuído para que tivesse dificuldades com o grande público, Antonioni era dono de um estilo único, numa obra extremamente representativa no cinema italiano e mundial, que agora fica mais pobre sem sua presença.