O cinema intimista de Iosseliani

Novo filme do diretor fala do desalento de um homem comum
Carlos Augusto Brandão, especial para a Italiamiga

O diretor Otar Iosseliani retirando o Urso de Ouro em BerlimO cinema do veterano diretor Otar Iosseliani, de 68 anos, raramente chega ao circuito comercial brasileiro. Sua obra tem sido apresentada com mais freqüência em festivais e mostras específicas. Nascido na então República Soviética da Georgia, Iosseliani, dos anos 80 para cá, tem trabalhado na França e na Itália, onde sua obra peculiar, bastante pessoal e poética, é muito admirada. Seu último filme - a produção franco-italiana "Segunda Feira de Manhã" - foi selecionado para o Festival de Nova York e lhe deu o prêmio de melhor diretor no último Festival de Berlim. O filme acompanha a história de Vincent, que trabalha como soldador numa fábrica. Ignorado pela mulher e pelos filhos, Vincent não encontra muito sentido no que faz e só se sente bem quando pode se dedicar à pintura, um dos poucos prazeres que tem na vida. Um dia, cansado daquela rotina de vida resolve desistir de tudo: emprego, mulher, filhos e principalmente daquela vida monótona que estava levando. Pega seu material de pintura e parte numa viagem para Veneza para recarregar sua alma. "Veneza é uma cidade com brilho próprio e uma das minhas preferidas", disse o diretor na apresentação do filme em Berlim . "Acho que pode ser o lugar ideal para quem , como Vincent, está precisando de uma retomada de ares e de um momento de reflexão", afirmou. Saboreando uma liberdade que já estava esquecida, Vincent comemora o fato de, após muito tempo de privação, poder voltar a fazer coisas que realmente gostava, como pintar e beber: "estas coisas tão simples estavam se tornando um ato de rebelião", diz ele numa das cenas do filme.

A forma como a história é contada - em tom jocoso e de comédia - deu a Iosseliani o reconhecimento da crítica especializada que lhe concedeu o prêmio da Fipresci , com a justificativa de se tratar de um retrato extremamente profissional do tédio do cotidiano e da falta de sentido da vida. O cinema está cheio de filmes cujo tema é a constatação feita por personagens, ao final da vida, que ela não teve muito sentido e , por isso, torna-se urgente encontrar algum tempo para ajustar contas com o passado. Um dos personagens mais tocantes nessa área é o burocrata Kanji Watanabe, interpretado por Takashi Shimura, ótimo no clássico Viver, de Akira Kurosawa. Como já declarou em entrevistas, Kurosawa foi um dos diretores que mais influenciaram a obra de Iosseliani, ao lado de outros mestres da mesma época, como Jean Renoir e Federico Fellini. É uma pena que o cinema de Iosseliani raramente chegue ao circuito comercial brasileiro, seja no cinema ou na tevê. Seus fãs só têm tido acesso a seus filmes em festivais ou quando alguns poucos são colocados em vídeo. Uma de suas obras mais conhecidas é E a Luz se Fez, que lhe deu o grande prêmio do júri em 89 no Festival de Veneza. Também foi nesse festival que ele ganhou em 84 com Os Favoritos da Luz, um prêmio especial do júri, que lhe abriu o caminho para o reconhecimento internacional.

Como se vê, Veneza realmente tem um papel importante na vida desse singular diretor georgiano.