O cinema e o teatro perdem Vittorio Gassmann

Carlos BrandãoCarlos Augusto Brandão, especial para a Italiamiga

Lendo o nosso próprio título lá em cima, nos damos conta de uma perda irrecuperável, tanto como cinéfilos quanto como pessoas ; e também confessamos uma certa sensação de culpa: há coisas que não devem ser deixadas para depois, sob pena de , às vezes, somente faze-las quando é tarde demais . Ou, pior, no caso de escribas como nós, quando o que escrevemos soa como necrológio, um epitáfio, ou sei lá o que. Desculpem pela má hora, mas vamos dividir aqui a saudade de todos nós. Já havia algum tempo que desejávamos escrever um texto sobre Vittorio Gassmann, um dos nossos atores favoritos desde quando – ainda adolescentes – o vimos pela primeira vez nas telas, no inesquecível Arroz Amargo , de Giuseppe De Santis, onde ele fazia um escroque sádico tentando seduzir , vejam só !, Silvana Mangano, que estreava no cinema . O filme, lançado em 1949, foi um sucesso mundial instantâneo : uma enorme publicidade cercou o filme, usando sobretudo a sensualidade do personagem de Silvana, mas também serviu para impulsionar as carreiras de Gassmann e Raf Vallone, o outro pé do triângulo amoroso de Riso Amaro. O sucesso foi tanto que , um ano depois, Alberto Lattuada escalou o trio Gassman, Vallone e Mangano para o seu drama eclesiástico Anna , onde , aliás, Sophia Loren fazia uma pontinha. A partir daí, o nome de Vittorio Gassman foi ficando cada vez mais popular no mundo todo, tendo sido responsável pela boa bilheteria da maioria dos seus 120 filmes, mesmo aqueles poucos em que a sua arte era praticamente a única coisa que salvava o ingresso. Ator que dominava com segurança o seu metier, Gassman era capaz de interpretar Hamlet no teatro e o quixotesco Brancaleone da Norcia no cinema com a mesma fluidez com que lia, em espetáculos especiais, O Inferno, da Divina Comédia do mestre florentino Dante Alighieri. Mas foi nas telas do cinema que Gassman realmente nos encantou e emocionou com seus personagens inesquecíveis do anti-herói Bruno em Aquele que Sabe Viver ( Il Sorpasso), de Dino Risi, do burguês oportunista Gianni em Nós que nos Vittorio Gassman Amávamos Tanto (C’eravamo Tanto Amati), de Ettore Scola, do boxeador fracassado em Os Eternos Desconhecidos (I Soliti Ignoti), de Mario Monicelli e do capitão cego Fausto Consolo em Perfume de Mulher (Profumo di Donna), também de Dino Risi. Com este último filme Vittorio Gassman ganhou o prêmio de melhor ator do Festival de Cannes de 1974. Robert Altman, o grande diretor independente do cinema americano, bem que tentou “nacionalizar” Vittorio, convidando-o para estrelar em dois projetos importantes que tinha na gaveta : O Casamento (A Wedding) - um de seus ácidos painéis satíricos dos tipos e padrões de comportamento do “american way of life” - onde Gassman faz um ex-garçom italiano que casa com uma ricaça americana e O Quinteto (Quintet), um intrigante filme de ficção sobre um futuro quando a terra está congelada e o passatempo favorito entre os sobreviventes é um jogo parecido com o de damas onde os vencedores matam os perdedores. Após essa incursão em Hollywood e um casamento fracassado com a atriz americana Shelley Winters, o genovês Vittorio retornou para sua querida Itália, onde ainda fez um ótimo filme subestimado pela crítica, O Terraço (La Terrazza), de Ettore Scola. Gassman chegou a estudar direito, mas abandonou a faculdade para entrar na Accademia Nazionale di Arte Dramatica de Roma, incentivado pela sua mãe, que via mais futuro para o seu filho na carreira de ator. Santa clarividência de um coração materno.