Diretor retorna ao Festival de Nova York com Buongiorno, Notte
Carlos Augusto Brandão, especial para a Italiamiga
O
polêmico diretor italiano Marco Bellocchio está de volta ao prestigiado
Festival de Nova York com seu novo filme Bom Dia, Noite (Buongiorno,
Notte). Ele já havia participado da edição anterior com o iconoclasta
O Sorriso de Minha Mãe, uma crítica sobre a instituição da Igreja
através do questionamento de seu funcionamento e dos valores de muitos de seus
membros. Boa Dia, Noite é uma versão tocante e pessoal de Bellocchio para
contar a história do seqüestro e execução do ex-primeiro ministro Aldo Moro
pelo grupo terrorista Brigadas Vermelhas, em 1978. No último Festival de
Veneza, onde foi lançado, o filme , assistido em absoluto silêncio, levou a
platéia italiana às lágrimas e foi ovacionado ao final da sessão, quando o
veterano diretor subiu ao palco. O filme traz à tona um fato que marcou
profundamente a história italiana no final dos conturbados anos 70. O então
líder da democracia cristã Aldo Moro havia feito uma coalizão com os
comunistas para governar a Itália. Seqüestrado pelo grupo radical de esquerda,
Moro foi executado ao falharem as tentativas para salvá-lo, após negociações
que envolviam inclusive a troca de prisioneiros políticos por sua vida. No
filme, o trágico episódio é visto pelo olhar de Chiara (interpretada pela
atriz Maya Sansa), a carcereira que tentou em vão deter seus companheiros e
evitar a execução. Os brigadistas, no entanto, como nada tinham conseguido ,
interpretavam a libertação do prisioneiro como uma prova de fraqueza. A trama
se passa praticamente numa única locação, o interior de um apartamento
alugado pelos seqüestradores e que serviu de cativeiro para Moro durante os 55
dias em que ficou preso até o momento de sua morte. Como pano de fundo para o
drama que ali se desenvolvia, o filme mescla cenas documentais e imagens de
arquivo como, por exemplo, as que mostram os esforços do papa Paulo VI para
evitar a execução, soldados alemães fuzilando partigiani italianos, além de
outras que procuram montar um referencial para o episódio, ao tempo em que
evidenciam o absurdo de atos que vêm sendo cometidos pela e contra a humanidade
ao longo de sua história. Bellocchio dedica o filme ao seu pai. “Perdi meu
pai na adolescência e nunca havia colocado sua lembrança em meus filmes ;
então, resolvi homenageá-lo com este”, conta o diretor que, a exemplo de
outros trabalhos seus, como De Punhos Cerrados e o próprio O Sorriso
de Minha Mãe, sempre coloca um viés psicanalítico em seus filmes. A
dedicatória ao pai é mais uma marca de sensibilidade deste filme extremamente
sensível de Bellocchio. Outra marca se refere ao título escolhido. Em
contradição à tragédia narrada no docudrama, ele tem um veio poético: foi
tirado dos versos da poetisa norte americana Emily Dickinson, cujos poemas
sempre procuravam abordar temas relacionados com a natureza e a imortalidade. O
filho de Aldo Moro tem divulgado uma carta em que faz elogios ao filme e à
abordagem seguida por Bellocchio. Em certo trecho, Giovanni Moro afirma que
ainda resta muito a ser esclarecido sobre a tragédia do seu pai e acrescenta
que “Boa Dia, Noite é uma daquelas produções artísticas que
contribuem para a compreensão da realidade”.