Na
noite em que Marcelo Mastroianni morreu em 1996 , centenas de romanos
dirigiram-se para a Fontana di Trevi para homenagear o grande ator italiano.
Lá, Mastroianni havia protagonizado um dos momentos mais famosos do cinema - a
cena inesquecível em que Anita Ekberg e ele se banham na Fontana, no clássico
A Doce Vida (La Dolce Vita), dirigido por Federico Fellini. Foi uma forma
tocante que os italianos encontraram para prestar uma última homenagem a
Mastroianni, mas foi também um testemunho do quanto o filme havia marcado
aquelas pessoas. Inegavelmente, desde o seu lançamento em 1960, A Doce Vida -
que chega agora ao espectador em DVD - tem sido um sucesso de público ,
crítica e objeto de culto por parte de cinéfilos mundo afora. No filme,
Marcelo Mastroianni interpreta Marcelo Rubini , um jornalista de origem humilde
de uma cidade do interior que chega a Roma e começa a conviver com o mundo
frívolo da alta sociedade e a freqüentar os bares e cafés da famosa Via
Veneto. Cada vez mais distante do seu sonho inicial de escrever um livro, e
quase escravo daquele sistema nocivo, aos poucos vai se desiludindo com o mundo
falso e vazio da burguesia romana ; inexoravelmente, filme caminha para um final
amargo, numa evidente contraposição à "doçura" sugerida no seu
título. Na verdade, o filme de Fellini é também a denúncia de um mundo que
estava prestes a iniciar um processo de decadência de costumes. Ao longo dos
seus 166 minutos, o diretor apresenta um painel da sociedade romana do pós
guerra, desvendando a hipocrisia das relações entre a Igreja e o Estado
italiano, criticando a estrutura de classes e retratando o desespero das pessoas
com a inexistência de respostas que dessem sentido à vida. Ao tempo em que
retrata a sua amada Itália, através de ruelas, estátuas e memórias, Fellini
também expõe todos os símbolos que se tornaram uma característica de sua
obra, cheia de personagens extravagantes, artistas exóticos , mulheres
exuberantes, figuras caricatas e situações surreais. A realização de A Doce
Vida começou com alguns problemas, o principal deles quando o célebre produtor
Dino De Laurentis abandonou o projeto porque Fellini se recusou a colocar Paul
Newman como ator principal. Embora não tenhamos podido ver Newman interpretando
Rubini, o próprio tempo se encarregou de mostrar que o papel do jornalista que
acaba tendo que viver às custas de fofocas das celebridades em Roma, não
poderia ser vivido por outro ator que não Mastroianni. Seu desempenho
imortalizou para sempre o personagem de Rubini em cenas memoráveis como quando
ele investiga possíveis milagres numa região italiana, ama diferentes mulheres
- entre elas Maddalena (interpretada por Anouk Aimée) - sofre com o baque da
responsabilidade do suicídio de uma de suas namoradas, Emma (Yvonne Furneaux)
e, é claro, a antológica cena em Trevi com a estrela de cinema Sylvia, vivida
pela sueca Anita , que a partir desse filme, nunca mais se livrou do apelido de
Anitona, devido aos seus volumes avantajados. A Doce Vida ganhou a Palma de Ouro
em Cannes em 1960 e levou o Oscar de melhor figurino, uma das três categorias a
que concorria, entre elas a de melhor diretor para Fellini. Inesquecível
também é a trilha musical criada por Nino Rota, parceiro constante do diretor
na maioria de seus trabalhos . O roteiro, por sua vez, foi escrito a oito mãos
: além dele mesmo, Fellini contou com a colaboração de Ennio Flaiano ( de As
Noites de Cabíria), Tullio Pinelli (de I Vitelloni) e Brunello Rondi ( de 8
1/2). O filme incorporou à nomenclatura mundial a figura do Paparazzi , numa
alusão ao famoso fotógrafo Paparazzo (Walter Santesso) que no filme é amigo
de Rubini e é descrito por Fellini como um abutre, com sua lente na mão sempre
correndo atrás de pessoas famosas. A Doce Vida , ao lado de outras obras primas
de Fellini como Noites de Cabíria (1957), Oito e Meio (1963) e Amarcord (1974),
é um filme único, reconhecido inclusive pelo próprio diretor quando - ao ser
solicitado a fazer A Doce Vida 2, possível seqüência que responderia ao
questionamento das pessoas sobre o que foi feito dos personagens - sabiamente
declarou: "a resposta a essas perguntas estragaria as suas lembranças de A
Doce Vida".